“Salvar os oceanos, proteger o futuro”
“Salvar os oceanos, proteger o futuro” foi o tema da Conferência das Nações Unidas dedicada aos oceanos, que cobrem 71% da superfície do planeta. Cientistas, políticos, organizações, empresas e ativistas procuraram, durante esses dias em Lisboa, apresentar e encontrar soluções para proteger os oceanos. Coorganizada pelos governos de Portugal e do Quénia, esta conferência foi realizada na semana de 27 de junho a 1 de julho, e conseguiu reunir cerca de 6.700 pessoas, com delegações de 159 países, que se fizeram representar por 15 chefes de Estado, um vice-presidente e 124 ministros. Além das lideranças de 38 agências especializadas, como o Programa de Ambiente das Nações Unidas ou a Agência Internacional de Energia Atómica, e de 1.178 organizações não-governamentais, 410 empresas e 154 universidades. Esta foi a segunda e a maior conferência sobre os oceanos (a primeira fora em Nova Iorque, em 2017).
O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que o evento representou a "unidade e aproximação entre os estados membros em torno dos assuntos do mar e da proteção dos oceanos", em resposta ao seu convite para que os países apoiassem quatro recomendações: que todas as partes invistam mais nos oceanos de forma sustentável, para cumprir o objetivo de produzir seis vezes mais alimentos no mar e 40 vezes mais energia; que invistam na proteção dos oceanos, nomeadamente redução da poluição marítima com origem em terra (ex. dos plásticos); que protejam quer os oceanos quer as populações que deles dependem e que sofrem os efeitos das alterações climáticas, criando, por exemplo, sistemas de alerta precoce para fenómenos atmosféricos ou climáticos extremos (furacões ou ondas de calor…). O secretário-geral da ONU considerou um tempo de urgência para os Oceanos, expressa nas metas a atingir até 2030, no objetivo 14 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, pelo que apelou para que toda a gente pressione os governos e autoridades regionais, empresas e comunidades para a urgência de salvar os oceanos.
O secretário-geral da Conferência dos Oceanos das Nações Unidas em Lisboa e subsecretário-geral para os Assuntos Económicos e Sociais da ONU, Liu Zhenmin, destacou a Declaração Final, intitulada “O nosso oceano, o nosso futuro, a nossa responsabilidade” . Nela se reconhecem os “impactos devastadores” na economia baseada no oceano, nomeadamente no aumento de lixo plástico. Reconhece-se ainda que “é preciso mais ambição em todos os níveis para resolver o terrível estado do oceano”. Ao mesmo tempo, os subscritores da Declaração manifestaram-se “profundamente alarmados pela emergência global que o oceano enfrenta”, elencando o aumento do nível das águas, o agravamento da erosão costeira e um mar “mais quente e mais ácido” com um nível de poluição que aumenta “a um ritmo alarmante”. “Lamentamos profundamente o nosso falhanço coletivo” na classificação de 10% das zonas marinhas como áreas protegidas e na recuperação de ecossistemas, que tinham sido estabelecidas como metas para 2020 e que não foram cumpridas.
Mas os subscritores da Declaração de Lisboa assumem um “compromisso renovado”, com “ação urgente e cooperação” para “atingir todas as metas tão cedo quanto possível sem atrasos indevidos”; com a criação de um "instrumento legalmente vinculativo sobre a poluição por plásticos", pretendem assentar em "ações inovadoras e baseadas em ciência, colaboração internacional e parcerias científicas, tecnológicas e de inovação", consideradas essenciais para uma atuação concreta na preservação de ecossistemas; os líderes assumem o compromisso de reconhecer "o papel importante do conhecimento indígena, tradicional e local", nomeadamente das populações costeiras e dos Estados-ilha que estão na primeira linha dos impactos das alterações climáticas e dos seus efeitos sobre os oceanos. Os 159 países comprometeram-se a proteger pelo menos 30% das suas zonas marítimas nacionais até 2030; reduzir a zero a poluição causada por plástico até 2050, a monitorar ações para pesca e aquicultura sustentáveis, de forma a garantir que 100% dos estoques de peixes sejam mantidos dentro dos limites biologicamente sustentáveis.
Os organizadores da Conferência comprometeram-se a agir. Portugal terá como meta, nas energias renováveis oceânicas, atingir dez gigawatts de capacidade até 2030 e a duplicar o número de “startups” na economia azul. Assumiu também o compromisso de classificar 30% das áreas marinhas nacionais até 2030, “garantirá que 100% das suas reservas de peixe serão mantidos dentro de limites biologicamente sustentáveis” e concretizar a ampliação da área protegida das ilhas Selvagens. O Quénia anunciou que vai aprovar legislação contra o crime de “ecocídio”.
No decorrer da conferência foi também decidida a criação de uma plataforma de cooperação dos oito países de Língua Portuguesa para promover a pesca sustentável e combater a pesca ilegal.
Diferentes instituições anunciaram a intenção de investimentos para concretizar alguns dos compromissos: o Desafio Protegendo o Nosso Planeta investirá US$ 1 bilhão para a expansão de áreas marinhas protegidas até 2030; o Banco de Desenvolvimento da América Latina promete investir US$ 1,2 bilhão para apoiar projetos que beneficiem o oceano na região; o Banco de Investimento Europeu repassará €$ 150 milhões para a Iniciativa Oceanos Limpos, na região; e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) decidiu ajudar a recuperar anualmente US$ 1 bilião perdidos por mau aproveitamento e gestão do potencial dos oceanos, a “Promessa do Oceano”.
O papel ativo da China, empenhada no conhecimento científico e em parcerias globais:
A representante chinesa declarou que o seu governo deseja construir parcerias com os países de todo o mundo, para desenvolver ações concretas necessárias para preservar os oceanos. Alertou que a agenda 2030, ao caracterizar o mundo de hoje como mais interdependente e interligado que nunca, implica que só através do reforço da cooperação e de parcerias globais será possível atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Pelo que a comunidade internacional necessita de desenvolver e partilhar o conhecimento científico acerca dos ecossistemas marinhos e costeiros para possibilitar a assistência e a cooperação, sobretudo com os países em desenvolvimento e especialmente os pequenos Estados insulares. A Declaração final de Lisboa veio a assumir esta perspetiva. A China, anunciou aquela representante, vai disponibilizar um pacote financeiro para pequenos projetos de tecnologias de informação nesta área e "promete continuar a contribuir para o cumprimento dos objetivos das Nações Unidas com ações e resultados concretos”. Como exemplo, mencionou o Centro para a Cooperação e Deteção Remota por Satélite China e África para avaliação e alerta precoce para responder às alterações climáticas e prevenir catástrofes marinhas.
Como os problemas que afetam os Oceanos têm uma repercussão mundial, o secretário-geral da ONU não aceitou o “clima de Guerra fria” com a exclusão de nenhum dos países-membros, como fora erradamente sugerido por alguns países Ocidentais. Assim, a Federação Russa, representada por Ruslan Edelgeriyev (conselheiro do presidente russo para os Assuntos Climáticos e ex-primeiro-ministro da República Chechena), transmitiu “o compromisso da Rússia de que a meta para a neutralidade carbónica até 2060 será cumprida”. Numa posição positiva e de esperança, Edelgeriyev referiu ainda que “o mundo não é a preto e branco. Se dois países têm avaliações diferentes de quaisquer acontecimentos, isso não encerra a possibilidade de interação construtiva entre eles em outras questões, especialmente em questões geralmente significativas como as alterações climáticas, proteção do ambiente marítimo, conservação da biodiversidade e outras”.
À margem da Conferência, a sociedade civil organizou em Lisboa algumas manifestações de protesto:
• Para pedir “menos conversa e mais ação” na defesa dos oceanos, e uma “conferência alternativa” (“Ocean Base Camp”), com apelos ao fim da pesca ilegal e sobrepesca, ao alerta para a necessidade de mais compromissos para limpar os plásticos do mar, de mais investimento na preservação dos oceanos, e mais conhecimento científico. Protestou-se igualmente por não ter sido incluída a discussão sobre o estabelecimento de uma moratória sobre a cedência de autorizações para a mineração nos fundos marinhos.
• Circularam igualmente opiniões contra o clima de Guerra fria e contra o confronto entre blocos geoestratégicos, que vem sendo imposto em alguns países do Ocidente, e que levam alguns países a regredir nos acordos de proteção ambiental da última COP26 (Convenção das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, novembro de 2021). Recorde-se que dos 195 países presentes na Conferência dos Oceanos, 28 países do Ocidente, a pretexto da Guerra na Ucrânia, decidiram, por um lado, por uma corrida aos armamentos e por avultados investimentos nas indústrias militares e, ignorando as metas da Agenda 2030, decidem, por outro lado, investir em combustíveis mais poluentes, reativando centrais a carvão já encerradas (em vez de distribuição do combustível por pipelines de gás natural), decidem por transporte marítimo de shale gas (gás de xisto, mais poluente e mais caro) e desenvolvem novos projetos de centrais nucleares. Esta inversão nas respetivas estratégias políticas e energéticas foram decididas sem consulta democrática aos eleitores destes países.
Gostaria de registar que, na nossa opinião, as grandes limitações de Conferências deste tipo residem no facto de os compromissos (assumidos pelos países e instituições participantes) não serem de aplicação obrigatória, não preverem um mecanismo de investimentos partilhado vinculativo, nem possuírem uma estrutura com recursos humanos que possa controlar sistematicamente a aplicação do acordo.
Contudo, o balanço da Conferência dos Oceanos é muito positivo pois permitiu, por um lado, conversações informais entre representantes da sociedade civil e de Estados e ou Instituições oficiais ou para-oficiais, a propósito de uma série de assuntos sobre os quais estão a decorrer negociações ; por outro lado, contribuiu decisivamente para a consciencialização da comunidade internacional e das opiniões públicas de que cerca de três mil milhões de habitantes do planeta dependem da biodiversidade costeira e marinha para sobreviver e que os oceanos fornecem quase metade de todo o oxigénio que respiramos.
Só há uma Terra e os oceanos são de todos e a sua saúde depende de todos nós - países e indivíduos.
Por Rui Lourido, historiador português e presidente do Observatório da China