Um belo dia de março de 1962 recebi telefonema da empresa aérea holandesa KLM, comunicando a chegada de uma passagem em meu nome para a China.
Naqueles tempos (1962) viajar do Brasil para a China ainda era muito complicado. Saí de São Paulo num avião DC10 e fiz escalas no Rio de Janeiro, Recife, Dacar, Lisboa e Zurique. Tomei um trem para Berna, a fim de retirar visto na Embaixada da China. No dia seguinte, voei de Boeing para Praga e Moscou, onde pernoitei no Hotel Ostakino. Pela manhã, fui conhecer o Kremlin e o centro da capital da então soviética. À tarde, voltei para o hotel, onde já me esperava um jipe da Aeroflote, pois eu estava atrasado e o avião me esperava de porta aberta na cabeceira do aeroporto. E segui viagem com mais algumas escalas: Irkutsky, Omsk e Novozibirsky. Foi aqui, nos confins da Sibéria, que tive meu primeiro contato com a China, embarcando em um avião da linha aérea chinesa, cujo pessoal, ao pé do avião e em seu interior, me acolheu com as maiores gentilezas, um aromático chá de jasmim, alguns biscoitos e muito sorriso.
Mais algumas horas de voo muito tranquilo e já sobrevoávamos Pequim na manhã de 31 de maio de 1962. No aeroporto fomos recepcionados por dois diretores do Departamento de Espanhol e Português da Rádio Pequim, os camaradas Lo Dong e Kun Dimei, e uma intérprete de português, a camarada Ma Enlu. Em dois carros, fomos para o Centro de Pequim. Nesse meu primeiro contato com a Capital chinesa, me impressionava a boa arborização das vias públicas e a ausência quase total de veículos motorizados nas ruas da cidade. Quando ingressamos na Avenida Chang'An quase levei um susto. Nosso carro avançava lentamente rumo à praça da Paz Celestial, onde nos mostraram o portal majestoso de Tian'An Men do antigo Palácio Imperial, que os estrangeiros costumam chamar de "Cidade Proibida".
Neste trecho da avenida, em meio a um emaranhado de bicicletas vi, para espanto meu, alguns carroções carregados de mercadorias sendo puxados por alguns pares de camelos, coisa que eu imaginava haver existido apenas na China de séculos passados. Os amigos chineses me explicaram que, devido a desentendimentos entre o PC da China e o PC da União Soviética, Moscou havia decidido unilateralmente suspender a venda de petróleo para a China, quando este País produzia apenas 8% do ouro negro que consumia; os outros 92% eram importados da União Soviética! Como não havia combustível para caminhões, os carroções puxados por camelos estavam levando mercadorias de exportação para outros países através do porto de Tianjin.
Passamos diante do edifício-sede de então da Rádio Pequim, na esquina da avenida Chang'An com a rua Nanli Shilu, e seguimos para o Youyi Bingguan (o Hotel da Amizade), onde íamos residir um majestoso parque que havia sido construído para abrigar os quatro ou cinco milhares de especialistas soviéticos que trabalhavam em Pequim e seus familiares.
No dia seguinte, 1º de junho, Dia Internacional da Criança me levaram para assistir a comemoração festiva dessa data no Palácio de Verão, em cujo restaurante imperial fui recepcionado com opíparo banquete, cujas delícias degusto até hoje.
Do Palácio de Verão fui conhecer as instalações do Serviço de Português da Rádio Pequim, onde já trabalhavam desde 1958 dois casais brasileiros: a professora Lídia, esposa do aeronauta Benedito Carvalho, e a violinista Nair Roitman, casada com o poeta Carlos Fridman. Este casal regressaria ao Brasil na semana seguinte e eu e Angelina os substituiríamos.
Estou incluindo Angelina desde já nesse trabalho porque, assim que cheguei a Pequim e souberam de minha triste situação de noivo à distância, os amigos chineses a convidaram imediatamente para me fazer companhia. Como eu havia deixado uma procuração para meu irmão Gregório, ele desempenhou meu papel de noivo no casamento civil e também na cerimônia religiosa, realizada em casa da família de Angelina e celebrada pelo padre Ricci, vigário da Igreja-matriz de Jundiaí. Ela voou para a China, chegando em Pequim no dia 16 de outubro de 1962.