Wang Yi: “construir consenso para acabar com os conflitos”, “promovendo a influência do Sul Global”
Fonte: CMG Published: 2024-03-08 14:40:13

Por Elias Jabbour, professor associado da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Por Elias Jabbour, professor associado da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Durante as Duas Sessões deste ano, o ministro das Relações Exteriores da República Popular da China, Wang Yi, concedeu uma longa entrevista coletiva. Ele abordou diversos aspectos da política externa chinesa, sobretudo seus conceitos norteadores e as fontes da estratégia externa chinesa voltada à preservação da paz mundial em um ambiente externo conturbado. Tratou-se de uma coletiva de imprensa que impressionou pela serenidade com que o representante da chancelaria percorreu por vários e complexos temas da política internacional.

Por exemplo, Wang Yi pontuou de forma muito objetiva que a busca por consensos é a forma que a política externa chinesa sintetiza os aprendizados “com as práticas internacionais e extraindo sabedoria da cultura chinesa”. Assim pontos críticos são abordados de forma imediata via promoção de negociações de paz.

Não é comum essa postura. Trata-se de uma demonstração objetiva dos critérios conceituais e, mesmo, teóricos de como a liderança chinesa trata dos grandes desafios de nosso tempo, internos e externos. Ou seja, não se trata somente de ter o objetivo estratégico de um mundo pacífico. Mas também de ter uma estratégia elaborada no sentido de buscar pontos comuns em meio a interesses diversos que envolvem as relações internacionais e as disputas em todas as esferas de ação.

Por outro lado, estudar os pormenores de cada resposta dada por Wang Yi a cada questão levantada é um exercício interessante de perceber como os chineses sabem quem são seus amigos e seus inimigos. Sem a necessidade de nomear este ou aquele país. Somente a defesa de uma posição é suficiente para demonstrar a posição do país. A prática desta forma de agir na arena internacional pode ser observada na serenidade com que a China tenta lidar com ao menos duas questões: o conflito na Ucrânia e a guerra entre Israel e Hamas. A questão do conflito da Ucrânia foi abordada dentro de um quadro de conjunto, com observações que levam a uma percepção de oposição aos postulados impostos pelos países ricos.

No caso da Ucrânia, enquanto os países do G7 e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) “jogam gasolina na fogueira”, os chineses, segundo Wang Yi, demonstram que “todos os nossos esforços apontam para um objetivo, que é abrir caminho para acabar com o conflito e iniciar conversações de paz".

A visão geral da China sobre o conflito fica clara com a preocupação sobre a situação da estabilização do continente europeu como um todo. Wang Yi expôs, neste sentido, que “a China também espera um retorno rápido à paz e à estabilidade no continente europeu e está pronta para continuar a desempenhar um papel construtivo para esse fim”. O que isso significa? Significa que para a diplomacia chinesa a estabilização da Europa será consequência de um processo onde os europeus não terão seus destinos amarrados a interesses de fora da Europa. Isso é fundamental para a estratégia chinesa de romper barreiras externas ao seu desenvolvimento tecnológico.

Na entrevista coletiva, o ministro das relações exteriores chinês apontou com muita clareza o compromisso da China com o multilateralismo e com o processo da Organização das Nações Unidas (ONU), pedindo igualdade de condições para os países em desenvolvimento e promovendo a influência do Sul Global. Essa elevação da influência do Sul Global não está desconectada com o fortalecimento da ONU. Segundo Wang Yi, “o fortalecimento do papel da ONU é vital, dadas as crises e os desafios observados nos últimos anos, mas é necessária uma reforma para aumentar a representação e a influência dos países em desenvolvimento.”

O mais interessante é notar, como ele mesmo disse, que a grande solução da China é a construção de uma comunidade de futuro compartilhado. “Observamos que se trata de um conceito que se transformou em algo universal.” Dez anos após a sua apresentação, Wang Yi observou que este conceito “agora está incluído nas declarações da ONU, bem como nas declarações da Organização de Cooperação de Shanghai, do Brics e de outras instituições internacionais”.

A questão da guerra na Faixa de Gaza foi abordada em termos realísticos por Wang Yi. Ele descreveu as ocorrências em Gaza como uma “tragédia humanitária” e uma “desgraça civilizacional”. De acordo com ele, “não há distinção entre vidas nobres e humildes, e a vida não deve ser rotulada por fé ou religião". "O fracasso em acabar com esse desastre humanitário hoje, no século 21, é uma tragédia para a humanidade e uma desgraça civilizacional”. Wang conclamou a comunidade internacional a promover um cessar-fogo imediato e a distribuição de assistência humanitária. O diplomata disse que todos os detidos deveriam ser libertados e todas as ações que prejudicam os civis deveriam ser interrompidas. Wang também reiterou o apoio da China a uma conferência internacional de paz com autoridade para apresentar um roteiro para uma solução da crise.

Ponto abordado com muita serenidade por Wang Yi foi o atual estado das relações entre Estados Unidos e China. Mais uma vez percebe-se, como em todos os pontos abordados durante a entrevista coletiva, a preocupação da China com uma leitura de dada situação dentro de um escopo mais amplo de análise. Por exemplo, para Wang Yi, esta relação "é fundamental para o bem-estar dos dois povos e para o futuro da humanidade”. Expôs que os dois países têm alcançado melhoras nas relações desde a reunião em São Francisco, entre o presidente chinês, Xi Jinping, e seu colega norte-americano Joe Biden em novembro de 2023, mas alertou que as percepções equivocadas dos EUA em relação à China continuam, e as promessas de Washington não foram totalmente cumpridas.

Resumindo, Wang Yi ofereceu uma grande oportunidade à imprensa presente na entrevista para uma melhor compreensão da visão chinesa sobre as ocorrências no mundo. Uma boa síntese desta entrevista pode se encerrar em uma visão que relaciona a busca pela paz mundial baseada na busca por consensos e o fortalecimento da posição do Sul Global.