por Elias Jabbour, professor associado da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, vencedor do Special Book Award of China.
Existe uma série de noções lançadas por agências e think tanks ocidentais que por serem levadas à sério demais acabam confundindo mais do que ajudando na compreensão de processos complexos. Por exemplo, é muito comum usar a abstração de Arthur Lewis sobre o desenvolvimento econômico com abundância de mão-de-obra como uma forma de explicar o desenvolvimento chinês. E hoje, considera-se que a difundida hipótese da queda na taxa de crescimento recente chinês, por entre outros motivos, está relacionado ao fim do chamado “bônus demográfico”.
O bônus demográfico é resultado da redução da taxa de fecundidade (as famílias têm menos filhos) e da diminuição da mortalidade em uma população – quando as pessoas passam a viver mais. Isso aumenta a proporção de pessoas em idade de trabalhar (entre 15 e 64 anos) em relação à população dependente, crianças e idosos. Sob o ponto de vista da economia, um período de bônus demográfico significa que um país tem mais força de trabalho do que pessoas inativas. Ou seja, há um excedente de pessoas para produzir e pagar impostos e assim alavancar o crescimento econômico.
Especialistas ocidentais têm mostrado preocupação com o fim do bônus demográfico na China e o impacto disso na economia chinesa e, consequentemente, no mundo. Os equívocos em torno desta hipótese são imensos, a começar por colocar ênfase em uma variável (bônus demográfico) para explicar algo complexo (desenvolvimento chinês) e caracterizado por múltiplas variáveis. O bônus demográfico é apenas um elemento auxiliar na explicação do crescimento chinês, que aliás ainda mantém uma população excedente de 15 milhões de trabalhadores por ano – o que significa que a China ainda pode se beneficiar do chamado “bônus demográfico”.
Na verdade, o crescimento econômico chinês não pode ser explicado pelo aproveitamento por um largo período histórico de um bônus demográfico. O desenvolvimento chinês está relacionado com o aumento crescente da produtividade do trabalho, que por sua vez é fruto de crescentes investimentos em ciência, tecnologia, inovação, educação e crescente valorização da força de trabalho. A China não possui uma economia competitiva nem por conta de uma “mão-de-obra barata”, muito menos por estar focada na produção de mercadorias sem valor agregado. Por outro lado, a China alcançou um ponto em seu processo de desenvolvimento em que o país pode literalmente escolher sobre o tamanho de seu desenvolvimento. Ou seja, o objetivo máximo do país é continuar subindo na escala tecnológica e manter a geração de milhões de empregos urbanos por ano até 2025. Portando a qualidade do crescimento econômico é uma escolha chinesa e não tem relação alguma com o chamado bônus demográfico.
O futuro do crescimento econômico chinês dependerá cada vez mais da capacidade do país em manter a inovação tecnológica. Para isso, recursos produtivos, financeiros e institucionais são fundamentais. Mas também é fundamental criar milhões de mentes brilhantes no país para auxiliar nesse processo. Neste sentido é bom lembrar que de uma população economicamente ativa de 900 milhões de pessoas, 240 milhões receberam educação superior na China. De 2000 a 2020, a China formou 60 milhões de engenheiros, representando 5% da sua população.
É chegado o momento em que novos conceitos para explicar processos complexos precisam ser elaborados. A noção de bônus demográfico, além de explicar muito pouco o processo histórico de desenvolvimento chinês, fecha possibilidades mais sofisticadas de compreensão do desenvolvimento chinês. Estamos em um momento em que ou entendemos toda a engenharia institucional criada ao longo das últimas décadas pela governança chinesa ou simplesmente continuar-se-á a repetir noções simplistas criadas no Ocidente, logo não se entenderá absolutamente nada sobre o processo de desenvolvimento chinês e as escolhas por detrás do processo.