Visão-Afeganistão: É impossível trazer a democracia pela guerra
por António dos Santos Queirós, professor e investigador. Universidade de Lisboa
Nos Estados Unidos, a invasão e ocupação do Afeganistão foi batizada pela propaganda como "Operação Liberdade Duradoura", pois prometia instaurar a democracia liberal para os afegãos. E a invasão militar foi justificada, segundo a "Doutrina Bush", porque não havia distinção entre a Al-Qaeda e as nações que a abrigavam!
No seu discurso de 16 de agosto de 2021, o presidente Biden afirmou que o objetivo dos Estados Unidos em relação ao Afeganistão era capturar os responsáveis pelos ataques de 11 de setembro de 2001, procurando assegurar que a Al-Qaeda não atacaria de novo a nação americana, e que a “guerra civil” deve ser resolvida pelos afegãos. Culpou ainda os afegãos pela desagregação das forças armadas e de segurança do governo, poderosamente equipadas e treinadas pelos EUA e os seus aliados da OTAN. O objetivo de instaurar “a democracia”, desapareceu assim do balanço, mas ficou claro que os EUA julgavam ter deixado para trás um exército da afegãos capaz de defender os seus interesses.
O governo dos EUA parece estar longe de aceitar a lição histórica de que “é impossível trazer a democracia pela guerra”, como disse Malalai Joya, ex- membro do Parlamento afegão e autora de "Raising My Voice”. Ele continua a esconder do seu povo e do mundo, a razão fundamental da continuidade da sua intervenção militar no Afeganistão, mesmo depois da saída da Al-Qaeda e da execução do seu fundador: a cobiça das imensas reservas minerais do Afeganistão, sobretudo das “terras raras”, sem as quais não é possível prosseguir a 4ª revolução industrial. Tal como esconde a responsabilidade do seu pais no nascimento da Al-Qaeda e no financiamento e apoio militar às suas atividades terroristas.
O paradoxo da Al-Qaeda: a criatura virou-se contra o seu criador
A origem, natureza política e a evolução da Al-Qaeda e do movimento Talibã são distintas e nunca deveriam ter sido confundidas.
A Al-Qaeda nasceu para defender a causa palestina, mas logo foi apoiada pelos EUA para se transformar numa poderosa organização antissocialista, empenhada no derrube do regime da República Democrática do Afeganistão. Esse grupo recrutou combatentes islâmicos para o conflito, distribuiu dinheiro e forneceu logística e recursos à guerrilha e aos refugiados afegãos, em grande parte proveniente dos EUA.
O então Secretário de Estado dos EUA, Zbigniew Brzezinski, confessou em entrevista ao Nouvel Observador o apoio da CIA à Al-Qaeda, e a outros grupos insurgentes no Afeganistão foi aprovado em julho de 1979, seis meses antes da intervenção da URSS. E que tinha a intenção de provocar a intervenção soviética.
Em 1997, numa entrevista com Peter Arnett, Osama bin Laden cita a intervenção militar e a proliferação de bases estadunidenses no Médio Oriente (como é o caso do seu país de nascimento, a Arábia Saudita), mas sobretudo o apoio à política israelita de ocupação e opressão da Palestina, como as principais razões para as ações terroristas da sua organização. A criatura, virou-se então contra o seu criador e levou o terror ao coração dos EUA em 11 de setembro de 2001.