Abrindo o Xiaohongshu (Pequeno Caderno Vermelho), aplicativo considerado o Instagram chinês com 300 milhões de usuários ativos, chegam à minha página inicial diversas postagens direto do Brasil, sejam de chineses compartilhando a rotina de trabalho e vida, sejam de brasileiros solicitando amizade para aprender o mandarim. Esse intercâmbio de forma espontânea era impossível em minha época como estudante, há 15 anos. Obviamente, dois fatores contribuem: a popularização das redes sociais e o aumento notável do fluxo de pessoas promovido pelo investimento chinês no Brasil, cujo estoque atual já atinge US$ 70 bilhões, como contou o embaixador da China no Brasil, Zhu Qingqiao, ao jornal o Globo, destacando os setores de petróleo, gás, energia elétrica, agricultura, infraestrutura, tecnologia da informação, automotivo entre outros.
Hoje, grande número de brasileiros sabe dizer nomes como Huawei, Xiaomi, BYD, Great Wall Motor, ByteDance e Kwai, ao falarem da China. Devido a essa presença cada dia mais intensa das empresas chinesas, vêm surgindo nas redes sociais do país oriental um grande fluxo de conteúdos relacionados ao cotidiano brasileiro. Por fotos e vídeos compartilhados por chineses que trabalham temporariamente no Brasil e, geralmente, comunicam-se bem em português, internautas chineses podem ver na tela a diversidade do Brasil, que, além de Rio de Janeiro e Amazonas, tem as praias do Nordeste e o magnífico cenário dos Lençóis Maranhenses. As iguarias incluem não apenas assado de carne, mas um cardápio rico da culinária de Sul a Norte. No dia a dia, os colegas brasileiros também possuem chateações e preocupações.
A plataforma de interações abertas e o algoritmo inteligente de Xiaohongshu e Douyin (versão chinesa do TikTok) permitem que os conteúdos cheguem amplamente às pessoas interessadas em outras culturas, quebrando, de certa forma, os estereótipos e enriquecendo os conhecimentos mútuos entre chineses e brasileiros.
De outro lado, o grupo dos especialistas brasileiros de estudo chinês tem ganhado imensa força. Bem me lembro que, nos primeiros anos do meu trabalho, havia poucos experts que podiam ser entrevistados. Carlos Tavares, Danilo Santos e Severino Cabral foram três ilustres professores e amigos que consultamos mais para injetar boas perspectivas à cooperação Brasil-China. Mas, infelizmente, perdemos os três durante a pandemia. Apesar de muita tristeza, hoje vemos mais estudiosos e acadêmicos brasileiros competentes e dispostos a contribuir para fomentar a troca de ideias, enquanto as redes sociais possibilitam o fácil contato e a divulgação. Conjuntamente, o boom de mídias independentes e influenciadores digitais propicia outro palco para discussão sobre a China.
Existe um espaço enorme para a troca de experiências entre China e Brasil, em busca de um desenvolvimento autônomo e soluções inovadoras para desafios globais. A modernização chinesa propicia inspirações aos demais países do Sul Global por ser exemplo de superação da condição periférica. Mas ultrapassar o limiar da fileira avançada continua sendo um grande desafio para os chineses.
Há um consenso de que o salto do PIB per capita de US$ 15 mil para US$ 20 mil é a fase mais testada para uma economia, uma vez que o mundo já está farto de ouvir sobre milagres de crescimento e depois vê-los estagnados. Já a China está mesmo no meio dessa transição difícil e até dolorosa por causa das tentativas, por parte dos Estados Unidos, de obstruir a revitalização chinesa. Neste contexto, observo e sinto vontade da liderança chinesa e seu think tank para aprenderem com as experiências de desenvolvimento da América Latina e sua lição sobre a armadilha da renda média.
É nisso que vejo o potencial e o significado dos intercâmbios e da aprendizagem mútua, com o olhar voltado às próximas décadas do relacionamento China-Brasil. E, como jornalista, espero que as informações sirvam como pontes para incrementar a compreensão e o respeito uns com os outros.
*Texto por Isabela Shi, a convite da revista acadêmica brasileira Entre Lugar, coordenada pela pesquisadora Isis Paris Maia.