Por José Nelson Bessa Maia, economista, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina.
No próximo dia 15 de agosto comemoram-se os 50 anos de estabelecimento das relações diplomáticas entre o Brasil e a República Popular da China. Neste ano também se celebram os 20 anos de criação da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (a Cosban), o principal mecanismo de cooperação bilateral para consolidar a parceria estratégica entre ambos os países. O objetivo da Cosban é incentivar o relacionamento bilateral, permitindo o diálogo sobre temas de interesse mútuo e facilitando a comunicação entre os governos. Também promove a implementação de projetos conjuntos em diversos campos.
A Cosban realiza reuniões plenárias a cada dois anos copresididas pelos respectivos vice-presidentes da República. Para dinamizar seu funcionamento foram criadas subcomissões com as atribuições de promover e implementar os acordos estabelecidos entre Brasil e China; executar as solicitações advindas da Comissão; além de analisar e identificar possíveis novos campos e modalidades de cooperação. São hoje 11 subcomissões, a saber: Política; Econômica-Comercial; Agricultura; Ciência, Tecnologia e Inovação; Energia e Mineração; Indústria e Tecnologia da Informação e Comunicação; Espacial; Temas Sanitários e Fitossanitários; Econômico-Financeira; Cultura e Turismo e Meio Ambiente e Mudança Climática.
Este ano, a 7ª Reunião da Cosban será aberta em Beijing no dia 6 de junho. Do lado chinês a reunião será presidida pelo vice-presidente Han Zheng com a participação de vários ministros de Estado. A comitiva brasileira, por sua vez, será liderada pelo vice-presidente e ministro da Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, com a presença de mais seis ministros de Estado e outras autoridades. A comitiva brasileira inclui ainda parlamentares e empresários, pois, além das reuniões oficiais da Cosban, haverá um fórum empresarial organizado com o apoio do Ministério do Comércio da China e do Conselho da China para a Promoção de Investimento Internacional (CCIIP), com a presença esperada de 400 empresários, entre brasileiros e chineses, para debater parcerias de negócios e celebrar as cinco décadas de relações bilaterais.
Desde 2009, a China é o maior parceiro comercial do Brasil. Em 2023, o fluxo comercial entre os dois países foi de US$ 157 bilhões, com exportações brasileiras de US$ 104 bilhões. Entre 2007 e 2022 o Brasil foi o quarto principal destino mundial de investimentos chineses. No entanto, apesar dos avanços já alcançados nos últimos 20 anos, as relações econômicas entre a China e o Brasil ainda estão aquém do potencial. Partindo dessa assertiva, a próxima reunião da Cosban em Beijing buscará reforçar o potencial de expansão e diversificação dos fluxos comerciais e de investimentos entre os dois países, com destaque para a pauta da sustentabilidade e da descarbonização da economia.
Ademais, o Brasil solicitou ao lado chinês a inclusão na agenda da Cosban de mais investimentos em infraestrutura no âmbito do Programa Federal Novo PAC, uma maior cooperação em alta tecnologia e a formação de uma aliança para combater a fome e as desigualdades, um tema que o Brasil defende em sua atual presidência rotativa no G20.
As discussões da Cosban incluirão um balanço da execução dos projetos conjuntos inseridos no Plano Executivo 2022-2026, medidas para remoção de gargalos, além de inúmeras iniciativas e acertos, como a remoção de obstáculos fitossanitários para a abertura do mercado chinês a produtos do agronegócio (uva fresca, sorgo, noz pecã, gergelim, etc). Também incluirá, no âmbito da cooperação espacial, a preparação de um novo satélite binacional, no caso um satélite meteorológico, além do andamento do projeto conjunto de satélite CBERS-6 a ser lançado em 2028, cujo acordo foi firmado no ano passado por ocasião da visita do presidente Lula à China.
No entanto, além de medidas de abertura de mercado e projetos bilaterais de colaboração técnica e científica, o simbolismo dos 50 anos de relações diplomáticas bilaterais requer que o Brasil dê um passo mais ousado no aprofundamento de suas relações com a China. Essa próxima reunião da Cosban em Beijing poderia muito bem marcar o compromisso em aderir à Iniciativa Cinturão e Rota (the Belt & Road Initiative ou BRI) e com isso poder alavancar o investimento chinês em infraestrutura no Programa Novo PAC.
A adesão do Brasil à BRI serviria também ao projeto maior de integração logística da América do Sul com a China, permitindo viabilizar ligações ferroviárias interoceânicas entre o Atlântico e o Pacífico. Caso implantado, esse corredor ferroviário não só favoreceria o intercâmbio comercial sul-americano com a Ásia, mas também ampliaria as conexões de transporte de cargas do Brasil com os países vizinhos, tornando possível expandir o comércio dentro da América do Sul, algo nunca alcançado plenamente após 60 anos de esforços de integração regional e de assistência dos bancos multilaterais como BIRD e BID.
O Ministério das Relações Exteriores da China já aventou essa vinculação do Novo PAC com a BRI. No entanto, a proposta parece não ter sensibilizado certos círculos do governo brasileiro que continuam a ter receios de eventuais reações geopolíticas adversas por parte dos EUA, como ficou evidente na recente visita ao Brasil da comandante das Forças Navais do Comando Sul dos EUA. Após 10 anos de criação da BRI, o tema de adesão ainda não foi amadurecido pela diplomacia brasileira, mesmo com vários países vizinhos já participando ativamente da BRI. Na opinião de analistas, a questão deveria ser avaliada do ponto de vista pragmático e não continuar travada no governo, pois a indefinição em torno do tema prejudica o interesse nacional e “apequena” o Brasil no cenário internacional.
A mera tentativa de atração de investimento chineses para projetos do Novo PAC e do Programa Nova Indústria Brasil (NIB) sem vinculação formal com a iniciativa chinesa da nova Rota da Seda não vai contribuir para alavancar a escala e o patamar das relações bilaterais do Brasil com a China. A reunião da Cosban poderia avançar na discussão do tema da adesão à BRI, abrindo espaço para o adensamento das relações bilaterais e o fortalecimento da cooperação Sul-Sul entre países emergentes. Uma dose de ambição é necessária no contexto geopolítico global altamente desafiador em que o mundo passa no momento.