Por José Nelson Bessa Maia, economista, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina
O mundo superou a pandemia de Covid-19, mas enfrenta grandes incertezas. As mudanças climáticas representam uma ameaça crescente e as novas tecnologias digitais exigem uma melhoria no seu sistema de governança. Entretanto, a situação atual no Oriente Médio, a prolongada guerra na Ucrânia e outras crises humanitárias na África mostram um mundo fragmentado. A forma como o planeta responde a estes desafios determinará em grande parte o destino da humanidade. Dado o peso da China na economia e na geopolítica mundial a forma como o país atua pode garantir o rumo e o progresso geral nos próximos anos. A China é um fator de estabilidade cada vez mais importante e sua participação ativa em fóruns internacionais contribui com certeza para manter ou restabelecer a confiança na busca de soluções para os desafios globais.
Durante mais de 50 anos, o Fórum Econômico Mundial de Davos (WEF, a sigla em inglês) tem reunido representantes de países, empresas, organismos internacionais e da sociedade civil para estabelecer um diálogo franco e construtivo. A cidade suíça é novamente sede do 54º encontro anual do WEF, sob o lema "Reconstruindo a confiança". O evento reúne líderes governamentais de mais de 100 países, dirigentes das principais empresas e organizações internacionais, parceiros do Fórum, bem como lideranças da sociedade civil, especialistas, representantes de jovens, empreendedores sociais e meios de comunicação procedentes de várias partes do mundo. Todos com o objetivo de atuar em conjunto para ajudar a reconstruir a confiança e moldar os princípios, as políticas e as parcerias necessárias para enfrentar os desafios de 2024.
A Reunião deste ano em Davos está organizada em torno de quatro áreas principais: I) como alcançar a segurança e a cooperação num mundo fragmentado; II) como criar crescimento e emprego para uma nova era; III) como otimizar a inteligência artificial como força motriz da economia e da sociedade, e IV) formular uma estratégia de longo prazo para o clima, a natureza e a energia. A China é um participante crucial no debate dos assuntos globais e sua participação ativa propiciará uma oportunidade para o país asiático demonstrar a sua disposição para aprofundar a cooperação com vistas a facilitar a reconstrução da confiança em três campos principais, quais sejam: o diálogo Ocidente-Oriente; a maior colaboração público-privada e aportar ideias inovadoras para resolver problemas compartilhados.
A delegação chinesa presente em Davos 2024 é liderada pelo primeiro-ministro Li Qiang. Os representantes chineses estão tendo oportunidade de participar em diversas sessões sobre várias questões globais críticas, fazendo ouvir a voz da China no contexto internacional e enviando um sinal claro de abertura e de sua disposição para o diálogo e a cooperação. Assim, o Fórum serve como uma janela para a China compreender o mundo e vice-versa, explorando novas áreas de colaboração. Quando a delegação chinesa chegou pela primeira vez a Davos para participar da Reunião Anual em 1979, o país representava apenas 2% do produto interno bruto global. Agora, esse número está se aproximando de 20%. Os participantes chineses utilizarão a plataforma do WEF para trocar ideias e pontos de vista com lideranças de vários setores e lugares do mundo.
O primeiro-ministro da China, Li Qiang, trouxe consigo a Davos este ano uma expressiva delegação e está realizando também uma visita oficial à Suíça. Em seu esperado discurso no Fórum Econômico Mundial, no dia 16 de janeiro de 2024, ele garantiu aos investidores e líderes políticos e empresariais ali presentes que a segunda maior economia do mundo tem “enorme potencial” e continua a ser um “importante motor” do crescimento global, apesar das dificuldades com que o país tem se defrontado.
O primeiro-ministro Li afirmou, na ocasião, que a China tem fundamentos sólidos e que pode lidar com altos e baixos da conjuntura em termos de desempenho econômico. Para ele, a tendência geral de crescimento da China a longo prazo não mudará. Li disse ainda que a economia cresceu 5,2% em 2023 – número superior à meta de crescimento de 5% estabelecida pelo governo da China para 2023. O premiê chinês destacou ainda as vantagens da China, como seu “grande mercado interno”, a sua força de trabalho qualificada, a sua liderança global na produção e exportação de veículos elétricos e na sua enorme e ainda crescente classe média.
Citando o presidente chinês, Xi Jinping, Li Qiang mencionou que o mundo entrou num novo período de turbulência e transformação, mas a direção geral do progresso humano não mudará. A dinâmica mundial, apesar das vicissitudes, não mudará. A tendência geral em direção a um futuro compartilhado para a comunidade internacional permanece a mesma. Todas as partes precisam abandonar os preconceitos, superar as diferenças, tratar-se mutuamente de forma sincera e avançar no mesmo rumo, trabalhando em conjunto para resolver o “déficit de confiança” hoje existente no mundo.
Li expôs cinco pontos sobre como reconstruir a confiança, reforçar a cooperação e promover a recuperação econômica global. O primeiro é fortalecer a coordenação da política macroeconômica, salvaguardar firmemente o sistema de comércio multilateral e gerar uma maior sinergia para o crescimento econômico mundial. O segundo ponto, disse Li, é fortalecer a divisão internacional do trabalho e, o terceiro ponto, coordenar as políticas, promover a liberalização e facilitação do comércio e do investimento, além de manter a estabilidade e o fluxo normal das cadeias industriais globais de suprimentos.
No quarto ponto, Li também pediu o fortalecimento dos intercâmbios e das cooperações globais em ciência e tecnologia, o trabalho conjunto para criar um ambiente aberto, justo e não discriminatório para o desenvolvimento científico e tecnológico e a derrubada de barreiras que restringem o fluxo dos fatores de inovação. Ademais, a cooperação para o desenvolvimento verde deve ser reforçada, acrescentando que os países de todo o mundo devem remover vários obstáculos neste domínio, trabalhar em conjunto para a transformação verde, defender o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas e abordar ativamente o problema das mudanças climáticas globais. O quinto e último ponto, é fortalecer a cooperação Norte-Sul e a cooperação Sul-Sul, implantando plenamente a Agenda da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável de 2030. Enfim, preencher as lacunas de desenvolvimento e buscar construir uma economia global benéfica e inclusiva.
Li enfatizou que a China é um país que atribui grande importância aos compromissos firmados, honrando sempre as suas palavras com ações concretas. Com a maior sinceridade, os maiores esforços e resultados concretos, a China provou consistentemente ao mundo que é um país digno de confiança. Nos últimos anos, a China tem sido um importante motor do desenvolvimento global e está agora a promover a sua modernização interna em todas as frentes através do desenvolvimento de alta qualidade, afirmou o premiê chinês.
A China estabeleceu fundamentos sólidos em termos de base industrial, fatores de produção e capacidade de inovação, disse ele, acrescentando que a tendência geral de crescimento do país no longo prazo não mudará e proporcionará um impulso contínuo e forte ao desenvolvimento do resto do mundo. Li disse que a China dispõe de um mercado interno enorme, com uma demanda rapidamente desbloqueada, e também está a cultivar novos motores de crescimento em grande escala em áreas como um novo tipo de urbanização e transição verde. Proporcionará, portanto, um espaço mais amplo para impulsionar o comércio e o investimento globais, acrescentou ele.
Não importa como o mundo mude, a China permanecerá comprometida com a política nacional de abertura para o mundo, disse o primeiro-ministro. Escolher o mercado chinês não é um risco, mas uma oportunidade, disse ele. A China acolherá de braços abertos os investimentos de empresas de todos os países do mundo e expandirá constantemente a abertura institucional. Continuará a encurtar a lista negativa para o investimento estrangeiro, proporcionará tratamento nacional às empresas estrangeiras no país e continuará a promover uma economia mundial orientada para o mercado, baseada na lei e com um ambiente de negócios de alto nível.
Após o discurso, o premiê chinês respondeu a perguntas sobre temas como governança de Inteligência Artificial (IA) e o sistema multilateral. Com relação ao primeiro tema, Li sublinhou que a IA deve ser centrada nas pessoas, ser inclusiva e trazer benefícios para todos, com boa governança e orientada numa direção que conduza ao progresso da civilização humana. No tocante ao multilateralismo, o premiê chinês disse que o verdadeiro multilateralismo deveria ser construído sobre normas básicas que regem as relações internacionais com base nos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas (ONU). A China não se afasta dos acordos nem se retira das organizações, nem pede a outros países que escolham lados, e sempre foi um firme defensor do multilateralismo, acrescentou.
Por último, cabe mencionar que o premiê chinês defendeu a necessidade de um "ambiente não discriminatório" para o intercâmbio científico e tecnológico entre os parceiros comerciais e que a discriminação contra a China nas cadeias globais de suprimentos industriais, adotada por alguns países, não apenas compromete a eficiência geral do desenvolvimento das economias, como também desencadeia vários riscos e problemas econômicos pelo mundo afora. A mensagem da China para o mundo em Davos constitui a manifestação clara de seu compromisso não apenas com o seu desenvolvimento sustentável, mas com a sua abertura para o mundo, uma sinalização importante de uma potência econômica emergente responsável e comprometida com um futuro de paz e prosperidade no mundo.