A recente desaceleração econômica na China, fruto da reorientação de seu modelo de crescimento para o mercado interno, do protecionismo de outros grandes países e de fatores geopolíticos devia ser vista como um processo temporário e reversível no médio prazo. No entanto, analistas de bancos e da grande mídia financeira internacional aproveitam, com base na análise superficial do sobe e desce de indicadores conjunturais, para prognosticar uma tendência duradoura de estagnação do país asiático e de suposta futura crise econômica e política.
Nesse contexto e diante do clamor antiglobalização e regionalização das cadeias globais de valor, a China, ao contrário do que é apregoado, persiste na sua estratégia de promoção da abertura ao exterior por meio de uma série de ações concretas, como a melhoria no clima de negócios, a realização de diversas feiras e exposições comerciais internacionais, a implementação de acordos de parceria econômica e liberalização do comércio com diversos países e regiões e facilitação de investimentos. Tudo isso contribuindo para reforçar suas relações econômicas externas e mitigar as tendências de enfraquecimento do livre comércio e do movimento global de capitais.
Com efeito, a grande maioria das empresas de capital estrangeiro que operam na China se diz satisfeita com o ambiente de negócios favorável do país e confiante no mercado chinês, de acordo com uma pesquisa divulgada pelo Conselho Chinês para a Promoção do Comércio Internacional (CCPIT, em inglês) durante o segundo trimestre de 2023. A pesquisa sobre ambiente de negócios no país considerou itens como acesso ao mercado, pagamento de impostos, solução de controvérsias e a situação de concorrência de mercado na China. Assim, quase 90% das empresas financiadas por estrangeiros que foram pesquisadas se declaram satisfeitas com o ambiente de negócios chinês. As empresas estrangeiras também parecem otimistas sobre sua atuação na China, com mais de 80% dos entrevistados com expectativa positiva de que o retorno de seus investimentos permaneça estável ou aumente em 2023.
No tocante a feiras e exposições comerciais, a China realiza de 23 a 27 de outubro de 2023 a segunda fase da 134ª Feira de Importação e Exportação da China, realizada em Guangzhou), considerada a maior feira comercial de exposições do planeta. Trata-se de um evento de comércio exterior abrangente, com o maior número de potenciais compradores, a mais completa variedade de produtos, serviços e tecnologias e o maior volume de negócios do mundo. Isso sem falar em uma série de outras feiras setoriais já realizadas ao longo e até o fim do ano. Embora a feira venha sendo realizada desde 1957, ela enfrentou desafios e conseguiu superar todos eles, inclusive a pandemia de Covid-19. É um evento que promove a conexão comercial entre o mundo e a China, e que, por sua vez, evidencia as conquistas e os avanços que o país alcançou ao longo de várias décadas.
No campo das negociações comerciais a China envida esforços para colocar em operação a Parceria Econômica Abrangente Regional (RCEP, na sigla em inglês), continua a impulsionar a adesão ao Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica (CPTPP) e ao Acordo de Parceria da Economia Digital (DEPA). Tudo isso além de criar 21 Zonas de Livre Comércio Piloto, estabelecer o Porto de Livre Comércio de Hainan e reduzir a lista negativa para investimento estrangeiro direto (IED), com a ampliação da abertura ao capital externo de setores de serviços como telecomunicações e saúde. Para completar esse esforço de abertura econômica ao exterior, a China adota nova Lei de Investimento Estrangeiro e um regulamento para otimizar o ambiente de negócios.
Desde 2013, a China é o segundo maior importador do mundo, com importações totalizando a marca de 18,1 trilhões de yuans em 2022, o que correspondeu a 13,8% das importações mundiais, contra 8,35% para os EUA e 3,22% para o Japão. Somente o bloco da União Europeia, com 27 países, é que supera a China como maior importador mundial, com 22,93% do total. No corrente ano, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o valor das importações chinesas estaria se reduzindo em relação aos trimestres anteriores. No entanto, essa tendência conjuntural é de ordem mais geral, uma vez que muitos outros países que fazem parte do G20, como Alemanha, EUA e Índia, apresentam também recuos nos últimos trimestres no valor de suas importações por conta do cenário global de desaceleração econômica.
O fato que merece destaque é que, sendo o segundo maior importador mundial há 10 anos, a China tem contribuído fortemente para o crescimento de seus parceiros comerciais pela via da demanda chinesa por bens e matérias-primas junto aos demais países com quem mantém relações de comércio. Na verdade, o ritmo das importações chinesas funciona como um termômetro para os preços nos mercados de commodities e um elemento de sustentação da renda e emprego nos setores exportadores de inúmeros países, sejam aqueles avançados, emergentes ou em desenvolvimento, que comercializam seus produtos com a China. Tudo isso sem mencionar a sinalização que as compras chinesas no exterior dão para investidores nos mercados de ativos pelo mundo afora.
Há, por fim, razões para crer que a continuidade do processo de abertura da China para o exterior, mesmo em um contexto mundial desafiador, atuará como uma alavanca importante para enfrentar movimentos contrários à globalização e para a manutenção das cadeias globais de valor e dos fluxos atuais de comércio internacional, mitigando impactos adversos de medidas protecionistas tomadas por outros países e evitando o isolacionismo econômico e o fechamento de mercados. Essa postura chinesa é uma salutar aposta no futuro compartilhado do mundo e uma contribuição responsável para o bem-estar geral e a paz mundial.
Por José Nelson Bessa Maia, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina.