Nas últimas quatro décadas, a China tem exibido um desempenho econômico inigualável, com redução da pobreza e modernização de infraestrutura jamais vistas na história mundial. Após sustentar por tanto tempo taxas de expansão do PIB tão elevadas, o país passa agora por uma fase de menor ritmo de crescimento, mas numa transição para uma economia de renda média alta, baseada mais no mercado interno e nos serviços, e mais voltada para a sustentabilidade ambiental e o combate às mudanças climáticas. Mesmo assim, o desempenho conjuntural da economia chinesa é monitorado com muito interesse pelos analistas de investimento de bancos e corretoras de valores de todo o mundo, sempre atentos a quaisquer movimentos nos indicadores econômicos.
No primeiro trimestre de 2023, após a liberação das medidas de prevenção e controle da COVID-19, a produção e a demanda na China tiveram recuperação, o emprego e os preços foram mantidos estáveis e a renda dos consumidores continuou subindo. Um exame mais minucioso dos dados evidencia melhorias nos principais indicadores, com as vendas no varejo de bens de consumo aumentando 5,8% ano a ano no primeiro trimestre, revertendo um declínio de -2,7% no último trimestre do ano passado. Com isso, o crescimento do produto interno bruto (PIB) no segundo trimestre provavelmente será maior do que no primeiro trimestre.
De fato, apesar das tensões geopolíticas com os EUA e dos efeitos da Guerra na Ucrânia, a recuperação chinesa tem sido impulsionada pelo consumo das famílias, especialmente de serviços. Por isso, para avaliar o “sucesso” da recuperação na China, os analistas deveriam se concentrar menos nos dados de manufatura e nos preços dos metais industriais. O foco deveria estar em indicadores como o Índice de Gerentes de Compras (PMI, por sua sigla em inglês) de serviços (cuja marca de 53,8 em maio é bastante elevada), dados de mobilidade urbana, como movimento de trens e voos (que estão acima dos níveis de 2019), e confiança do consumidor (que começou a se recuperar desde o final do ano passado).
A fase inicial da reabertura na China está no caminho certo, com mobilidade e gastos com viagens e lazer se recuperando fortemente. No entanto, para que a próxima fase da recuperação mantenha seu ímpeto (com gastos das famílias em outros serviços e bens), será necessário que a confiança do consumidor continue em alta. Uma melhora no mercado de trabalho seria importante para isso, a partir de um movimento maior na confiança das empresas. Além disso, o estímulo do governo poderia ajudar – especialmente aquele destinado a estabilizar ainda mais o mercado imobiliário, a concessão de subsídios para gastos do consumidor em itens caros, como automóveis e eletrônicos, e/ou demais medidas destinadas a apoiar as pequenas e médias empresas.
Embora possa levar algum tempo, espera-se que a confiança na China melhore. Ao contrário dos EUA e da Europa, a inflação muito baixa no país (de apenas 0,1%, anualizada em abril) dá aos gestores de política econômica ampla folga para poder reanimar a confiança mediante adoção de eventuais novos incentivos anticíclicos, se for necessário. Portanto, qualquer notícia sobre estímulos governamentais ou dados econômicos melhores do que os esperados pode vir a atuar como um forte catalisador para uma recuperação nos mercados de ativos. Com isso, a chave para o aumento nos investimentos na China reside em segmentos de serviços e bens específicos, bem como temas novos, a exemplo dos segmentos vinculados à economia verde e à economia digital, com o uso de tecnologias mais avançadas.
A China estabeleceu uma meta relativamente modesta de crescimento anual de cerca de 5% este ano, depois de ter ficado abaixo de seu objetivo para 2022. Analistas econômicos e organismos internacionais (como FMI e OCDE) projetam um crescimento maior do que a meta oficial de 5%. No entanto, conforme já afirmou o primeiro-ministro Li Qiang, essa taxa de expansão econômica é compatível com a transição para um crescimento de maior qualidade e sustentável. Para ele, serão envidados esforços para reforçar a confiança e estabilizar as expectativas diante dos desafios. A economia da China irá acelerar o aumento na eficiência e produtividade, de modo a alcançar um desenvolvimento de maior qualidade e continuar a melhorar o padrão de vida da sua grande população.
Para o resto do mundo, é importante saber que a China se dispõe a abrir mais sua economia para o exterior, independentemente das mudanças na situação internacional, conectada a regras financeiras de alto padrão e sempre buscando criar um ambiente de negócios de primeira classe e orientado para o bom funcionamento dos mercados. Com efeito, de acordo com o FMI, a região da Ásia-Pacífico – a mais dinâmica do mundo – deve acelerar seu crescimento para 4,6% este ano, ante 3,8% no ano passado, respondendo por 67,4% da taxa de crescimento mundial. O principal responsável por este desempenho foi a reabertura da China, com 34,9% do crescimento mundial, cujo aumento do consumo está impulsionando o crescimento em toda a região, apesar da demanda mais fraca no resto do mundo. No entanto, há riscos para as perspectivas de expansão na região, derivados da repercussão do aperto na política monetária dos EUA maior do que o antecipado e também das interrupções nas cadeias de suprimentos associadas à fragmentação geoeconômica.
De todo modo, uma das bases da retomada do crescimento chinês – a economia digital – continua a avançar. Por isso, Beijing sedia no momento a Conferência Global de Economia Digital 2023, promovida pelo governo municipal de Beijing, a Administração do Ciberespaço da China, o Ministério do Comércio e a Associação Chinesa de Ciência e Tecnologia. Nesta Conferência está sendo proposta, dentre outras coisas, a formação de uma rede de inovação aberta para a economia digital em todo o mundo. Uma iniciativa de cooperação por meio de intercâmbios entre grandes cidades de diferentes países para compartilhar um ambiente de mercado aberto e mutuamente benéfico no campo digital. A iniciativa também promoverá conjuntamente um ecossistema de inovação em ciência e tecnologia digital, de modo a acelerar o processo de transformação digital urbana, ajudando o empoderamento digital para o desenvolvimento verde e apoiando a inclusão digital global. Trata-se de mais uma amostra do papel ativo da China no uso e propagação das tecnologias digitais como alavanca para o desenvolvimento.
Conforme o último relatório do Banco da China, a economia chinesa deverá crescer cerca de 6% no segundo trimestre e 4,9% no terceiro trimestre, impulsionada pelas políticas pró-consumo e liberação acelerada do consumo de serviços, além da expansão do investimento em infraestrutura e no setor da economia digital e da gradual retomada do setor imobiliário. [10] Enfim, pela análise dos indicadores mais importantes, pode-se concluir que a economia chinesa deverá crescer ao redor de 5,4% em 2023, impulsionada principalmente pelo setor de serviços e pelo consumo privado que se recuperaram no primeiro semestre deste ano, com tendência a se manter no terceiro trimestre. Isso configura uma satisfatória trajetória de crescimento para a segunda maior economia do mundo, que mantém seu dinamismo e resiliência em face das vicissitudes da conjuntura global.
por José Nelson Bessa Maia, economista brasileiro, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina.