O recém-terminado encontro dos países convencionalmente apontados como os “sete mais ricos” do mundo, o G7, talvez tenha sido marcado por ser um dos mais ideologizados e pró-ocidente das últimas décadas. Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Alemanha, França, Itália e Japão tiveram seus chefes de Estado como representantes, além dos convidados Luís Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, e Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia. A simples presença desses dois já indicava um recado para o cenário político mundial, de pressão ao Brasil pelo cumprimento de compromissos ambientais e de alinhamento aos interesses do ocidente, e de intimidação da Rússia.
No entanto, das discussões realizadas em Hiroshima, histórica cidade japonesa, as decisões descambaram para a incitação à guerra econômica, com traços de polarização política, e trouxeram mais preocupações que soluções diplomáticas para os problemas globais. Além de Zelensky ter desfilado ao lado dos governantes das grandes potências, o que indica endosso total aos interesses ucranianos, foi permitida participação apenas discreta do presidente Lula.
Não bastasse isso, as principais deliberações e declarações do encontro giraram em torno de uma suposta “plataforma de coordenação para combater a coerção econômica e proteger os países emergentes”[i]. No discurso, a expressão pode ser muito bonita, afinal, quem não quer que as economias mais frágeis sejam protegidas? Entretanto, elas não buscam dar fim à dominação imperialista histórica, que impôs aos países pobres o subdesenvolvimento.
A dita coerção econômica seria praticada pela China, que tem suas conexões espalhadas pelos mercados do mundo inteiro e, segundo os líderes do G7, estaria condicionando seu comércio exterior ao alinhamento político internacional, além de enfraquecer a economia interna desses países, ao exportar produtos de qualidade com custo menor, que debilitam as indústrias locais. Ambas as leituras são fantasiosas e incorretas, mas a verdade não parece ter sido a pauta da reunião.
A cúpula chegou a criticar o reconhecimento do princípio de uma só China como condição para relações diplomáticas e comerciais com os chineses. Apesar de isso fazer parte do direito internacional, com o estabelecimento de condições bilaterais para que se firmem os compromissos das duas partes. Aliás, a questão de Taiwan é uma de soberania e integridade territorial da China que com certeza deve exigir de uma posição clara.
O bloqueio comercial, de qualquer ordem, é uma ferramenta da política internacional que estrangula economicamente um outro país, buscando a coerção ou mesmo deposição de suas lideranças por meio da indução de recessão e consequente desespero do povo. Por exemplo, com Cuba e Venezuela os embargos econômicos atingem todos os setores e os países convivem com o desabastecimento. Mostra-se, portanto, o quanto é o ocidente o predador das pequenas e médias economias.
Quanto à competitividade dos produtos chineses, o estabelecimento de relações comerciais entre a China e seus parceiros prevê diversos tipos de regras e investimentos mútuos. A China teve grande sucesso, nos últimos 40 anos, em estabelecer um grande parque industrial com produção diversa, que faz desde computadores e trens de alta tecnologia, até peças de vestuários e itens de uso doméstico. Também criou suas redes virtuais para a logística de seus produtos. O que não significa que esta produção ocorra fora dos acordos internacionais e que, ademais, os próprios países não possam legislar sobre a importação de produtos chineses ou o estabelecimento de indústrias chinesas.
Na verdade, embora as potências não queiram reconhecer, a China responde pela maior parte do crescimento da economia global entre 2013 e 2021, com 38,6% de crescimento contra 26,7% de todos os países do G7 somados, conforme a porta-voz do governo chinês, Hua Chunying. “A China é o principal motor da economia global e o maior parceiro comercial de mais de 140 países e o segundo maior contribuinte do fundo das Nações Unidas para a paz”, disse a porta-voz, em suas redes sociais.
Vale ressaltar que nem entre os cidadãos dos países do G7 o grupo é unanimidade. O encontro em Hiroshima foi marcado por protestos dos japoneses[ii], especialmente quanto à aliança quase incondicional entre Japão e Estados Unidos, e à participação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) como força auxiliar na guerra da Ucrânia, que para muitos é interpretada como uma guerra indireta e indesejada entre os países ocidentais e a Russia. “Tirem as mãos da Ucrânia” e “esmague a cúpula do G7 em Hiroshima” foram alguns dos cartazes vistos no Parque Fukuromachi, próximo ao evento.
Por Hélio de Mendonça Rocha,articulista e repórter de política internacional
[i] BBC: https://www.bbc.com/news/world-asia-65662720
[ii] Xinhua: https://english.news.cn/20230521/3e0c0d8156054bb0b2925b9720420c33/c.html