Por Hélio de Mendonça Rocha,articulista e repórter de política internacional
A bem-sucedida visita do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, à República Popular da China, causou imensas repercussões tanto internas como no mundo. Diferentemente das viagens à Argentina e aos Estados Unidos, que resultaram em compromissos comerciais, no vizinho sul-americano, e ambientais, na potência do norte, a passagem de Lula pela China rendeu importantes avanços estruturais para a economia brasileira, além de promessas de grande monta para o futuro da economia mundial. Nesse pacote, entram o acordo para desenvolvimento de satélites, a posse da ex-presidente Dilma Rousseff como presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o estabelecimento de projetos para reindustrialização da economia brasileira.
Do saldo total da viagem, têm-se um número de acordos empresariais não antes visto na história do Brasil, no que diz respeito a uma visita de Estado brasileira ao exterior. A comitiva de Lula, com mais de quarenta integrantes, passou por diversas associações, empresas e órgãos de Estado, com destaque para a visita à Huawei, a gigante de tecnologia, responsável pela melhor versão da internet 5G no mundo. Lula afirmou não coadunar com quaisquer embargos ou boicotes feitos à empresa, por razões políticas ou econômicas.
Lula também participou da posse da ex-presidente Dilma Rousseff no banco dos Brics em Shanghai, o Novo Banco de Desenvolvimento. Lá, inclusive, uma atitude sua pode ter aberto caminhos para a esperada economia multilateral: a crítica enfática ao padrão-dólar como regulador dos contratos e transações comerciais internacionais. Tal como o uso do inglês como idioma internacional, tal regra funciona como um peso agrilhoado nos países que pretendem estabelecer relações comerciais saudáveis entre si. Basicamente, é como se sempre houvesse um dedo dos Estados Unidos nos acordos entre dois outros países do mundo, onde quer que estejam.
“Todas as noites eu me pergunto por que todos os países têm que basear seu comércio no dólar. Por que não podemos negociar com base em nossas próprias moedas. Quem foi que decidiu que o dólar era a moeda após o desaparecimento do padrão-ouro”. Tal declaração do presidente brasileiro, proferida durante a posse de Dilma como presidente do NBD, impulsionou aplausos de chineses e brasileiros, e ressoou do outro lado do Pacífico, no jornal Financial Times.
“O apelo de Lula para acabar com a dependência do dólar se encaixou com os crescentes esforços de Pequim para promover o uso do renminbi na liquidação de transações internacionais de commodities”, comentou a reportagem. Porém, na sequência, advertiu o Brasil. “Qualquer esforço do Brasil para rejeitar a moeda americana no curto prazo enfrentará um desafio substancial. O dólar é vital para os mercados e benchmarks globais de commodities, o que incentiva as principais mineradoras brasileiras, como a Vale, a manter a maioria das transações denominadas em dólares.”
O recado norte-americano dá conta do histórico alinhamento da economia brasileira aos Estados Unidos, tornando-se um desafio, no curto prazo, incentivar a adesão do setor produtivo brasileiro ao que for decidido nas relações internacionais. Entretanto, o que mais interessa é a abertura de espaço, num dos principais jornais da elite econômica ocidental, para o desafio do Brasil à hegemonia americana.
Daí vai o passo seguinte de Lula. Ao encontrar-se com o presidente Xi Jinping, Lula discutiu com a cúpula do Estado chinês iniciativas que visem à reindustrializacão do país, que possam manter o Brasil como grande exportador de minério e soja para a China, mas também retomar sua capacidade de produzir tecnologia, enfraquecida nos últimos 30 anos. O que pode estabelecer um elo do setor produtivo com novos países como a China. Memorandos com esse objetivo foram assinados, com destaque para um que avança a longa parceria sino-brasileira na produção de satélites, tendo com a finalidade específica a observação da Amazônia. Tal medida é, ademais, importante para a garantia da soberania brasileira sobre o território amazônico, constantemente ameaçada.
No entanto, para que tudo isso funcione da melhor forma possível, é preciso seguir a iniciativa de Lula e contestar o papel do dólar, que é um entrave na cooperação multilateral entre os países. Em suma, hoje, toda a transação, seja do Brasil com a China, seja da Indonésia com a Nigéria, é feita em dólar, e apenas convertida pelos países remetentes e destinatários. Quem comprou, calcula quanto gastou, e quem vendeu, recebe seu dinheiro, em conversões de dólares para as moedas nacionais.
Para um mundo multilateral, mais justo para a economia das nações, o dólar deve ser o lastro para os países que assim o desejarem, não devendo ser imposto a um bloco com o potencial dos Brics. Lula, ao propor a iniciativa, e a China, ao abraçar a ideia, dão um passo que pode se mostrar definitivo, no caminho da estabilidade financeira para todos os países, o fim de embargos comerciais injustos, a capacidade de investimentos bilaterais entre países pobres e, o mais importante, o estabelecimento de relações ganha-ganha livres dos interesses dos países imperialistas.