O Brasil rompeu o isolamento autoimposto nos últimos quatro anos e voltou a ocupar um lugar relevante no palco da governança global com a posse do novo governo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já restabeleceu as boas relações com os vizinhos latino-americanos e reinseriu o país na Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Já manteve conversações de alto nível com os Estados Unidos da América (EUA) e países da União Europeia, e agora prepara visitas oficiais à China, o maior parceiro comercial do Brasil, e aos países lusófonos (Portugal, Angola e Moçambique). Uma substancial atividade diplomática presidencial em pouco mais de um mês de administração.
Dada a importância crescente da China no contexto econômico e geopolítico global e seu elevado peso no comércio exterior brasileiro, as relações bilaterais com o país asiático, existentes desde 1974, merecem maior atenção do novo governo Lula. Apesar do cenário desafiante com a crise energética, guerra na Ucrânia, rescaldo da pandemia de Covid-19 e pressão inflacionária no mundo, há razões para crer que Brasil e China estejam prontos para intensificar a cooperação a um novo patamar. A participação de ambos no âmbito do Brics e do G-20 lhes dão meios para exercitar influência na governança global e regional. Ademais, as mudanças em curso nas políticas externas, neste ano de 2023, tanto no Brasil como na China, apontam para novas oportunidades de expansão da agenda bilateral de relações econômicas e políticas.
A normalidade das relações do Brasil com a China passou por um enorme desgaste no período 2019-2022 em face de recorrentes e descabidos ataques contra a China por autoridades do governo Jair Bolsonaro, que muito bem poderiam ter afetado as relações bilaterais. Todavia, pelo menos três fatores atuaram para obstar o retrocesso geral nas relações Brasil-China: i) o profissionalismo dos diplomatas do Ministério das Relações Exteriores e de funcionários do ministério da Agricultura que serviram como bombeiros para apagar “incêndios”; ii) o enfoque estratégico da China em relação ao Brasil que privilegia relações de longo prazo entre os dois Estados e povos, e iii) a complementaridade entre as duas economias que confere estabilidade e solidez no intercâmbio comercial, mesmo quando exposto a tensões e desacertos de curto prazo.
De fato, o potencial de expansão das relações econômicas entre a China e o Brasil é deveras enorme, uma vez que a China tem sido há mais de uma década o principal parceiro comercial do Brasil (com 27,2% do total exportado e 22,6% do total importado no ano passado). Em 2022, o superávit comercial do Brasil com a China (US$ 29,6 bilhões) respondeu por 47,2% de todo o superávit comercial do Brasil com o mundo. Em matéria de investimento estrangeiro direto, a China tem sido um grande investidor em termos de fluxo, o que levou o estoque do investimento chinês no Brasil a superar a marca dos US$ 70 bilhões em apenas 15 anos.
Uma relação bilateral da magnitude que Brasil e China mantêm há tantos anos requer uma política externa à altura para beneficiar muito mais a ambos os parceiros. Porém, além de buscar diversificar a pauta de comércio, o Brasil e a China precisam introduzir novos temas como a sustentabilidade ambiental, tecnologia digital, infraestrutura de integração, saúde pública e mudanças climáticas. É preciso, contudo, que essas questões da nova agenda sejam tratadas de forma objetiva e não apenas como meras intenções. Os mecanismos diplomáticos existentes, como a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), devem ser acionados com mais agilidade e frequência para remover obstáculos, facilitar negócios e reforçar a cooperação no campo técnico e tecnológico.
Em suma, a dinâmica das relações entre a China e o Brasil deve ser mais ambiciosa do que tem sido até agora. Os dois países têm um potencial muito mais amplo de oportunidades de cooperação reciprocamente vantajosas do que o explorado até o momento. Isso significa a necessidade de avançar além da pauta atual de comércio bilateral, e abrir novas frentes de exportação e investimento, de modo a permitir ampliar as vendas de produtos brasileiros não tradicionais para o mercado chinês e ampliar o escopo de investimento de empresas chinesas no Brasil na direção de segmentos de infraestrutura, logística de transportes e de economia digital.
Extrapolando as relações sino-brasileiras para a América Latina, cabe ressaltar que uma relação mais estreita da região com a China será proveitosa para o desenvolvimento da integração no subcontinente. A capacidade chinesa de absorver crescentes exportações de commodities e de financiar e implementar grandes projetos de infraestrutura vai ao encontro das necessidades de grande parte dos países latino-americanos e de realizar a sempre tão adiada integração da logística que é essencial para reforçar os laços de comércio entre os países vizinhos e gerar uma futura grande área de livre comércio na América do Sul.
O notório descaso dos norte-americanos com a região considerada “quintal dos EUA” e sua inapetência para investimentos em infraestrutura torna a presença chinesa na região um fator positivo para a arrancada do desenvolvimento dos países latino-americanos, além de aumentar o seu poder de barganha em face dos EUA. Abre-se, portanto, com o novo protagonismo do Brasil e a crescente presença chinesa na América Latina, um leque de oportunidades não só para o país, mas também para os demais países sul-americanos.
Por José Nelson Bessa Maia, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina.