Os Estados Unidos da América (EUA) têm mantido uma hegemonia global desde o fim da Segunda Guerra Mundial, reforçada com a queda da União Soviética há 30 anos. No entanto, desde o início do século XXI, o predomínio estadunidense passou a ser contestado de forma cada vez mais clara pela ascensão pacífica e crescente da China como o maior motor de crescimento econômico mundial e um novo paradigma de desenvolvimento alternativo para muitas nações menos desenvolvidas.
Na atualidade, os EUA têm buscado manter sua supremacia através da aplicação de sanções econômicas como forma de punir os países que não se submetem a sua vontade ou que representam uma potencial ameaça competitiva em uma base regional ou global. Além de países como Irã, República Popular Democrática da Coreia (RPDC), Cuba e Rússia, tais sanções têm sido aplicadas a economias que crescem rápido e de forma autônoma com base em avanços tecnológicos. Em geral tais sanções assumem a forma de aplicação de tarifas elevadas sobre o comércio, adoção de controles de capitais, congelamento de ativos e, pura e simplesmente, boicotes ou proibições ao fornecimento de insumos e componentes a empresas de outros países concorrentes.
O governo dos EUA parece mesmo determinado a impedir que a China se atualize tecnologicamente, em especial em áreas como inteligência artificial, aprendizado de máquinas, veículos de direção autônoma e supercomputadores, entre outras. Em uma guerra comercial aberta, os EUA proibiram em outubro passado toda transferência de tecnologia em semicondutores para a China, impedindo até outros países de fornecê-los. O que começou como uma restrição à empresa chinesa de telecomunicações Huawei pelo governo Donald Trump (2017-2021) se converteu agora em algo muito maior, com os EUA tentando impedir o alcance da meta de autossuficiência da China em semicondutores. Os EUA buscam, portanto, complicar os esforços das empresas chinesas de desenvolver tecnologias de ponta, desde supercomputadores até sistemas de vigilância e armas avançadas, dentre outros.
A medida discriminatória posta em prática pelas autoridades dos EUA visa não apenas atingir a venda por empresas norte-americanas de produtos de alta tecnologia para a China, mas também por pessoas dos EUA (ou seja, qualquer um com passaporte estadunidense). Isso coloca os fundadores de empresas de tecnologia chinesas que estudaram nos EUA, e adquiriram um passaporte do país, em uma posição difícil para gerir suas empresas. Também tornará muito mais complicado para as companhias de tecnologia chinesas atrair e contratar novos talentos.
Por que razão os EUA estão impondo essas sanções contra o comércio e a tecnologia chineses? Não é apenas uma medida protecionista para salvaguardar empregos, mas sem dúvida travar o avanço chinês e preservar a hegemonia dos EUA sobre a economia mundial. Esse tipo de reação típico do pensamento de Guerra Fria veio em resposta ao colapso financeiro global de 2008 e a chamada Grande Recessão que se seguiu. Com seu modelo de crescimento controlado pelo Estado, a China sobreviveu à crise global e cresceu continuamente, ao passo que os EUA e seus aliados ocidentais entraram em quase estagnação. A China desde então tem se convertido em exportadora de bens de alta tecnologia e superado o estágio de economia de mão de obra barata e fornecedora de produtos de baixo valor agregado.
As sanções norte-americanas contra a China trazem repercussões negativas para a economia global. Ajuda a criar divisões adicionais entre os EUA, seus aliados e o resto do mundo. Na manufatura, por exemplo, os EUA agora podem impor proibições a empresas de países que consideram amigos – como inúmeras da União Europeia, Japão e Coreia do Sul engajadas em indústrias de alta tecnologia. Também cria divisões regionais, o que pode causar um problema crescente na Ásia. A China, Japão e Coreia do Sul fazem parte do bloco de livre comércio Parceria Econômica Abrangente Regional (RCEP). As sanções nesse caso inibem o funcionamento de uma aliança comercial mutuamente benéfica e globalmente presente. Caso o arranjo da RCEP seja reduzido devido às sanções dos EUA, as divisões podem começar a aparecer nas relações japonesas e sul-coreanas com os EUA, pois exigirão alguma forma de compensação.
Além do mais, como o caso do conflito Rússia-Ucrânia em curso demonstra, as sanções contra a Rússia não funcionam tão bem quanto se esperava, uma vez que há certos parceiros comerciais dispostos a romper com as proibições em função de seus próprios interesses e pressões geopolíticas. A questão da cadeia de suprimentos de tecnologia de chips é um caso em questão, onde os fabricantes já estão mudando as instalações de fabricação. Os fabricantes desse setor estão se deslocando para outros destinos asiáticos, incluindo Cingapura, Malásia e Índia.
Em suma, as sanções impostas pelos EUA contra a China são injustas e descabidas e constituem um verdadeiro “tiro no pé”, pois devem prejudicar os interesses das próprias empresas norte-americanas que comercializam tecnologia com a China. Num contexto de pós-pandemia, as sanções estadunidenses constituem um golpe nas cadeias industriais e de suprimentos globais e na recuperação econômica mundial. Lamentavelmente, apesar do apelo global para suspender urgentemente as medidas coercitivas unilaterais, a imposição de sanções econômicas exacerba os desafios econômicos existentes, resulta na falta de acesso a bens e serviços essenciais e afeta negativamente a solidez e a estabilidade da economia global.
Por José Nelson Bessa Maia, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina.