Por José Nelson Bessa Maia, economista e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina.
A globalização econômica enfrentou adversidades nos últimos anos. Alguns países têm defendido até a interrupção das cadeias globais de suprimentos. Nesse contexto, a China é o segundo maior país importador do mundo, com compras de bens no exterior de US$ 2,6 trilhões em 2021 ou 11,9% do total mundial, chegando próximo dos EUA (com 12,9%). 1
Diante da onda de protecionismo crescente, a China tem oferecido mercados e oportunidades para a expansão do comércio internacional, promovendo a facilitação de negócios entre diferentes países, reduzindo os custos de fazer comércio entre fronteiras e impulsionando o desenvolvimento em outros países por meio de projetos de infraestrutura no âmbito da Iniciativa Cinturão e Rota (the Belt & Road Initiative). Na prática, a China tem demonstrado efetivo empenho em abrir cada vez mais sua economia e contribuir para a prosperidade global compartilhada.
De fato, desde 2012, a China adotou uma estratégia de abertura onde todos ganham e estabeleceu um novo padrão de abertura comercial em vários setores. A China tem firmado inúmeros acordos de livre comércio (chegando a 19 ao todo) e negociado ativamente a Parceria Estratégica Abrangente Regional (RCEP) que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2022, formando a maior zona de livre comércio do mundo. Ao longo da última década, apesar dos contratempos, o comércio exterior chinês (exportações mais importações) aumentou de US$ 4,4 trilhões anuais para US$ 6,9 trilhões, um aumento de 56,8% em relação ao valor de dez anos atrás, tornando a China o mais importante parceiro comercial para mais de 140 países e regiões e aquele com a maior corrente de comércio.2
Para chegar onde está hoje a China adotou nos últimos 20 anos iniciativas concretas não apenas para aumentar a competitividade de suas exportações, mas também para ampliar suas importações via rebaixa de tarifas sobre bens e insumos, com sua tarifa média reduzida para 7,4%, ainda mais baixa do que o compromisso de 9,8% assumido durante a sua adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC). Além disso, a China concedeu tratamento de tarifa zero em 98% dos itens tributáveis originários de 16 países menos desenvolvidos.3
Como se não bastasse a redução tarifária, a China realiza desde 2018 a Exposição Internacional de Importação da China (CIIE), uma das maiores feiras multissetoriais do país e a primeira feira de importação do mundo. A feira objetiva promover a cooperação aberta, além de criar bens públicos que promovam o desenvolvimento global inclusivo e recíproco. A CIIE gera efeitos econômicos crescentes tanto para a China como para outros parceiros, uma vez que, por meio dessa plataforma, um grande volume de novas tecnologias e de produtos entra no mercado chinês e internacional e atende rapidamente aos consumidores. A exposição desempenha também um papel positivo na promoção da modernização industrial da China, melhorando a qualidade da oferta nacional de bens, promovendo a modernização do consumo e estabelecendo novos padrões de desenvolvimento de produtos e serviços. Estima-se que os negócios de comércio e de investimentos gerados pelas últimas quatro CIIEs tenham atingido um valor acumulado superior a US$ 270 bilhões.4
A quinta CIIE será realizada em Shanghai de 5 a 10 de novembro de 2022 e vai ser uma grande oportunidade para empresas estrangeiras de todo o mundo manterem contatos de negócios muito próximos com potenciais compradores chineses e possíveis parceiros de investimento direto externo. Segundo o Ministério do Comércio da China, nas primeiras quatro exposições internacionais de importação, foram registradas mais de 1500 categorias de novos produtos e tecnologias. Entre as empresas que se inscreveram na quinta CIIE, mais de 280 estão entre as 500 maiores do mundo e líderes industriais. Quase 90% delas já participaram do evento. A feira deste ano conta com quase 600 grupos de negócio, 39 delegações governamentais e cerca de 100 grupos empresariais de compras.
No caso do Brasil, com o apoio da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), pelo menos 14 empresas dos setores de alimentos e bebidas estarão presentes na 5ª CIIE, além de 19 startups no Pavilhão High Tech, como expositores vitrines. Principal parceiro comercial do Brasil, a China foi mercado de destino de 31,3% das exportações brasileiras e por 21,7% das importações em 2021, gerando uma corrente de comércio de US$ 135,5 bilhões no ano. Do total das exportações do Brasil para a China, as vendas de alimentos e bebidas somaram US$ 8,17 bilhões no mesmo ano. Os principais produtos da pauta de exportação do setor foram carne bovina, açúcares e melaço de cana e carne suína.5
O papel responsável da política macroeconômica chinesa, inclusive da sua política comercial, tem contribuído para apoiar o crescimento econômico global e a estabilidade dos mercados. Segundo a Administração Nacional de Estatísticas da China: entre 2013 e 2021, o Produto Interno Bruto (PIB) do país registrou o crescimento real anual de 6,6%, uma taxa que supera o desempenho das demais economias do G20 e que foi bem acima da média anual global de 2,6% no mesmo período, e da média do conjunto das economias em desenvolvimento, que foi de 3,7%. Em 2021, o PIB da China representou 18,5% da economia global, tendo subido 7,2 pontos percentuais em relação ao valor registrado em 2011. Ao mesmo tempo, o PIB per capita chinês aumentou para US$ 12,5 mil em clara convergência rumo à renda por habitante dos países desenvolvidos de renda média. O valor total do comércio exterior chinês em 2021 registrou US$ 6,9 trilhões. Até o final de agosto de 2022, o número das empresas estrangeiras operando na China subiu de 441 mil no fim de 2012 para 668 mil, um aumento de 51,5%. 6
Nos últimos 10 anos, a contribuição média anual da China para o crescimento econômico mundial atingiu 38,6%, superando a contribuição total dos países membros do G7. A China ocupa o primeiro lugar no mundo em termos de produção de grãos e garantiu a segurança alimentar e energética para seus mais de 1,4 bilhão de pessoas. O número de residentes urbanos permanentes cresceu 11,6 pontos percentuais atingindo 64,7% da população. O setor manufatureiro da China é o maior do mundo, assim como o volume de suas reservas cambiais (US$ 3,2 trilhões no final de 2021). A China construiu as maiores redes do mundo de ferrovias de alta velocidade e vias expressas e fez grandes conquistas na construção de aeroportos, portos e conservação de água, energia e outras infraestruturas, tanto no país como no exterior. 7
No contexto atual acima mencionado de reação contra a globalização e de aumento de tendências protecionistas, a recuperação econômica global é lenta, os conflitos geopolíticos e distúrbios regionais são frequentes e as questões globais estão se tornando mais agudas. O mundo entrou em um novo período de turbulência e de mudança estrutural. Em meio a essa situação complexa e desafiadora é auspiciosa a sinalização feita recentemente pelo 20º Congresso Nacional do Partido Comunista da China de que o país continuará impulsionar a abertura ao exterior em alto nível. Essa decisão estratégica é de crucial importância para o mundo, pois implica uma contribuição de peso para a reversão das forças de antiglobalização e contra o fechamento do livre comércio. A realização da quinta CIEE só reforça o compromisso da China com a abertura comercial e a cooperação econômica com seus parceiros.
[1] Cf.: World Trade Organization Statistics, 2021, disponível em: <https://stats.wto.org/ >.
[2] Cf.: Foreign Ministry Spokesperson Wang Wenbin’s Regular Press Conference on October, 22, 2022, China’s Ministry of Foreign Affairs, disponível em<https://www.fmprc.gov.cn/mfa_eng/xwfw_665399/s2510_665401/2511_665403/202210/t20221020
_10788936.html>.
[3] Cf.: No tariffs for least-developed nations. China Daily, 03/08/2022, disponível em: < https://www.chinadaily.com.cn/a/202208/03/WS62e9b230a310fd2b29e6fe36.html>.
[4] Cf. CIIE contribui para abertura mais ampla e benefícios mútuos da China, dizem especialistas. Agência Xinhua, 26/08/2022, disponível em <https://portuguese.news.cn/20220826/7b0072f4fb674dbe9b67eb9b2f186f7e/c.html>
[5] Cf. Exposição Internacional de Importações da China contará com 14 empresas brasileiras. Comex do Brasil, 28/10/2022, disponível em < https://www.comexdobrasil.com/exposicao-internacional-de-importacoes-da-china-contara-com-14-empresas-brasileiras-alimentos-e-bebidas/>.
[6] Cf. Full text of the report to the 20th National Congress of the Communist Party of China, Agência Xinhua, disponível em: < https://english.news.cn/20221025/8eb6f5239f984f01a2bc45b5b5db0c51/c.html>.
[7] Cf. Full text of the report to the 20th National Congress of the Communist Party of China, Agência Xinhua, op.cit.