Por José Nelson Bessa Maia, economista brasileiro, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina.
Com as novas restrições anti-Covid-19 e um ambiente internacional cada vez mais desafiador, com alta inflação, elevação de taxas de juros e conflitos geopolíticos, torna-se difícil prever como será o crescimento econômico. No caso da China, investidores internacionais acompanham sempre com ansiedade a evolução dos principais indicadores econômicos do país para tomar decisões de alocação de portfólio e avaliar a eficácia das políticas domésticas chinesas de estímulo. Em meados de julho de 2022, o Escritório Nacional de Estatísticas da China (NSB) divulgou alguns indicadores de contas nacionais sobre o desempenho econômico do país com referência ao primeiro semestre de 2022.
Nos primeiros seis meses deste ano, o produto interno bruto (PIB) da China cresceu 2,5% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Do ponto de vista setorial, o valor agregado do setor primário teve um aumento de 5,0% ano a ano; ao passo que a indústria de transformação cresceu 3,2% no comparativo interanual. O setor de serviços, por seu turno, registrou um incremento de apenas 1,8% em relação ao ano anterior. Ainda assim, o comércio de serviços intensivos em conhecimento da China manteve um crescimento estável, aumentando 9,8% ano a ano, ao passo que os serviços de telecomunicações e informação (TIC) registraram rápidos aumentos nas exportações. As vendas de veículos elétricos (NEVs) aumentam 292% entre janeiro e julho. Nada mal esse desempenho em um mundo em que muitas economias importantes ameaçam cair em recessão em meio a alta inflação e crise energética, configurando um quadro inquietante de desaceleração aguda e alto desemprego. O PIB real dos EUA, por exemplo, recuou a uma taxa de 0,9% no 2º trimestre de 2022 em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, conforme dados oficiais.
Outros indicadores do NSB apontam para a resiliência da economia chinesa: o valor agregado bruto total das empresas industriais cresceu 3,4% em termos interanuais. Em particular, o valor agregado da manufatura de alta tecnologia aumentou 9,6% em relação ao ano anterior. O valor total de vendas no varejo de bens de consumo caiu 0,7%, menos do que o esperado. Porém, o investimento em ativos fixos (excluindo domicílios rurais) aumentou 6,1% em relação ao ano anterior, superando a queda no investimento imobiliário de -5,4%. O valor total da importação e exportação de bens cresceu em 9,4%. Em julho, o índice de produção abrangente do PMI foi de 52,5 %, uma queda de 1,6 ponto percentual em relação ao mês anterior, mas ainda acima do limiar, indicando que a produção e operação geral das empresas chinesas continuaram a se expandir de maneira expressiva. Por fim, a inflação (IPC) subiu 1,7% no período, enquanto os preços dos produtos industriais (PPI) subiram 7,7%, abaixo dos índices de muitas outras economias importantes.
Cabe mencionar que a causa da desaceleração no crescimento no setor de serviços da China, no segundo trimestre deste ano, tem a ver com os efeitos do pior surto de Covid-19 no país desde o início da pandemia em 2020. Medidas rigorosas de permanência em casa atingiram a metrópole de Shanghai (população de 24.8 milhões de pessoas) por cerca de dois meses, enquanto as restrições de viagem contribuíram para interrupções nas cadeias de suprimentos. No entanto, já no início de junho, Shanghai, Beijing e outras partes da China estavam a caminho de retomar a atividade normal. Nas últimas semanas, o governo central reduziu os tempos de quarentena e facilitou algumas medidas de prevenção da pandemia.
Para o Banco Mundial, a economia da China deverá desacelerar em 2022, após a forte onda de Covid-19 que atrapalhou a trajetória de normalização do crescimento. O Banco projeta que o crescimento real do PIB desacelere para 4,3% em 2022 – 0,8 ponto percentual abaixo do projetado na estimativa feita em dezembro passado, e abaixo da projeção oficial de 5,5%. Essa revisão para baixo reflete em grande parte os danos econômicos causados pelos surtos de nova variante de Covid-19 e os lockdowns prolongados em algumas partes da China de março a maio. No entanto, o próprio Banco Mundial sustenta que o dinamismo do crescimento chinês deverá se recuperar no segundo semestre de 2022, ajudado por estímulos governamentais para mitigar a desaceleração econômica.
Com efeito, o Banco Central da China (PBC) mantém a liquidez suficiente e anunciou que aumentará o apoio de crédito às empresas no 2o semestre do ano, como parte dos esforços para consolidar o ritmo de crescimento de sua economia, destacou o banco central do país. Assim, ao contrário de outros países que endurecem a política monetária, a China orientará suas instituições financeiras a emitir mais empréstimos para a economia real, reduzir continuamente as taxas de juros reais e alavancar ferramentas financeiras para apoiar a construção de infraestrutura. Até o final de junho, o saldo dos empréstimos para agricultores subiu 13,1% em relação ao ano anterior.
Do exposto, pode-se concluir que a economia chinesa segue mantendo um bom desempenho mesmo diante de fatores internos e externos adversos. Essa resiliência se sustenta em bons fundamentos macroeconômicos e no vigor de uma grande economia orientada por uma liderança responsável, planejamento de longo prazo, disponibilidade de meios para mitigar efeitos conjunturais desfavoráveis e capacidade para resolver eventuais falhas que possam surgir em setores econômicos específicos. No final do ano, ao contrário do alarmismo de analistas de bancos ocidentais, caso não haja deterioração na geopolítica global ou cataclismos ambientais, há razões para crer que os resultados demonstrarão mais uma vez a resiliência chinesa e um crescimento efetivo bem próximo à meta anunciada de 5,5%.