A Guerra Comercial EUA-China: continuidade ou ruptura?
Por Antônio Henrique Lucena Silva*
Durante a campanha presidencial de 2016, o então candidato à presidência Donald J. Trump já criticava a dinâmica das relações dos Estados Unidos com outros países. Após se tornar o 45º presidente americano, o republicano implementou muito do seu discurso de campanha. Naquela época, o bilionário mostrava descontentamento com as práticas comerciais de outros estados, que as classificava como prejudicial aos Estados Unidos. Entre elas estava a Parceria Transpacífico (PTP), que o autor Michael Lind classificava a posição trumpista como “populismo”, em seu artigo “How Trump Exposed the Tea Party”, mas que ecoaram na população americana perdedora da globalização e saudosa da era de ouro industrial do país. O curioso é que a administração Obama tinha forjado a PTP como uma forma de conter o avanço chinês. No entanto, a situação comercial dos Estados Unidos dava munição ao magnata alçado à presidência: no ano do início do mandato de Trump, em 2017, Washington amargava um déficit comercial superior a 375 bilhões de dólares com Beijing. O crescimento anual dos EUA vinha em queda desde a década anterior, além de outros problemas que foram se somando, como aumento da desigualdade, conflitos étnicos e a desindustrialização constante do cinturão da manufatura, que passou a ser conhecido como “rust belt” (cinturão da ferrugem), o conjunto de localidades que vão desde Detroit, em Michigan, a South Bend, em Indiana.
Esse clima favoreceu a aderência do slogan “America First” nos diversos setores da sociedade americana. O presidente republicano considerava que a China era desleal na implementação das suas políticas.
As relações dos EUA com a China começaram a piorar quando os americanos iniciaram uma investigação contra Beijing em 2017 dentro do Departamento de Comércio. Foi justamente nessa repartição que se reforçou a ideia de que as lideranças chinesas não promovem uma economia de mercado, e que a adoção de medidas contra o país asiático deveria tomar forma. Em 2018 Trump instruiu o Representante de Comércio dos Estados Unidos a aplicar tarifas de 50 bilhões de dólares em produtos chineses. O Ministério do Comércio Chinês retaliou e instituiu tarifas a 128 produtos americanos. Desde o início, várias outras tarifas foram aplicadas para outros produtos chineses e, por seu lado, os chineses aumentaram a lista de produtos americanos que foram alvo de aumento tarifário.
No final de 2019, o presidente Donald Trump intensificou seus ataques retóricos à China e houve um distanciamento ainda maior entre os dois países depois da eclosão da pandemia de Covid-19. Isso terminou impactando, ainda mais, no congelamento das relações entre as duas nações. Quais foram os desdobramentos dessa Guerra Comercial? E o que o Brasil tem a ver com isso?
China e Estados Unidos são as principais economias do mundo. A disputa comercial que eclodiu gerou efeitos não intencionais da ação, ou seja, a força centrífuga ocasionada pelo embate das partes atingiu terceiros, entre eles, o Brasil. Houve um encarecimento das mercadorias comercializadas por Washington e Beijing, principalmente de insumos e suprimentos americanos para a China e, do outro lado, os bens intermediários e de capital para as fábricas e oficinas americanas aumentaram muito de preço. Atrelado a esse movimento, a administração Trump incluiu a empresa de telecomunicações Huawei na lista de proibidas de fazer negócios nos Estados Unidos. E buscaram proibir a instalação da rede 5G não apenas em seu território, mas em outras partes.
Como dito anteriormente, o Brasil foi um dos impactados, porém, positivamente: ocorreu um aumento de 7 bilhões de dólares nas exportações de soja em 2018 em relação a 2017. E a China se converteu no maior parceiro comercial do Brasil. Segundo os dados do Ministério da Economia brasileiro, mesmo com a crise internacional deflagrada pela pandemia do novo coronavírus e com imbróglios diplomáticos entre os filhos do presidente Bolsonaro, o ex-ministro Ernesto Araújo e o ex-ministro Abraham Weintraub, o comércio Brasil-China cresceu e atingiu um recorde de 32,3% do total das exportações nacionais. Os dados do Ministério apontam que as vendas aos chineses subiram de 63,4 bilhões de dólares para 67,8 bilhões, uma alta de 7%.
O início de 2021 foi marcado pela segunda onda da pandemia do novo coronavírus e outro fator que gerava expectativa: a posse do presidente Joseph Biden nos Estados Unidos. Findada a atribulada e disputadíssima eleição, os americanos agora possuem um novo governo democrata. Moderado e político experiente, o democrata de Delaware é conhecido por seu tom mais brando ao de Trump. Mesmo com a mudança de governo teremos uma mudança de postura dos EUA para com a China? Nesses três meses da nova administração Biden-Harris podemos observar uma transformação no que vinha ocorrendo? A trajetória que o 46º presidente americano vem mostrado é que não. A China vem buscando ganhar o seu espaço e, já na próxima década, pode ser a principal economia do planeta. Outro aspecto que nos dá uma diretriz de como o novo governo deve proceder é a própria campanha eleitoral: foi recorrente Biden mencionar em seus discursos o “compre americano”. Esse slogan é muito popular dentro do eleitorado mediano dos Estados Unidos e com frequência encontra o seu eco em diversas regiões. O programa do Partido Democrata indica claramente uma estratégia de “reshoring”, ou seja, que as cadeias de suprimentos voltem, por meio de incentivos públicos, para o território yankee. Os setores a serem privilegiados com essa medida serão os equipamentos médicos, semicondutores e telecomunicações, como o 5G. Biden ainda prometeu investir fortemente em energia renovável, veículos elétricos e inteligência artificial. Convém lembrar que, dentro do próprio partido do presidente americano, há congressistas muito mais duros que o próprio Donald Trump. Portanto, as perspectivas que ocorram mudanças de rumo na política comercial americana parecem improváveis no curto e médio prazo.
E o Brasil? A pandemia evidenciou a falta de competitividade brasileira no setor industrial. O setor agropecuário mostrou a sua força e continua sendo a salvação da balança de pagamentos do país. Nessa encruzilhada de disputas entre americanos e chineses, cabe ressaltar que ninguém se beneficia da guerra comercial. O relacionamento bilateral sadio traz benefícios para ambas as partes. O alinhamento automático de Bolsonaro a Trump não trouxe benefícios concretos. A dependência do Brasil da China e da China ao Brasil se apresentou de forma mais clara nesse ambiente conflituoso. Demorar em retornar ao velho pragmatismo do Itamaraty custará a participação de Brasília na mesa desses gigantes.
*Antônio Henrique Lucena Silva é doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense, na área de Estudos Estratégicos. É professor do curso de Ciência Política da UNICAP.