Discurso de Xi Jinping promove a governança global de saúde pública
O discurso do presidente chinês, Xi Jinping, na Cúpula Global de Saúde, é mais um passo na consolidação da influência da China na arena internacional, no seu papel de grande país populacional, econômico e científico. O encontro, realizado em Roma, na sexta-feira, 21 de maio, foi organizado em parceria entre a Itália (que ocupa em 2021 a presidência rotativa do G20) e a Comissão Europeia. Os líderes do G20 discutiram o estágio da pandemia de Covid-19 e os novos compromissos necessários para garantir a equidade na vacinação das populações dos países mais pobres.
O líder chinês resumiu em cinco pontos o que, na sua visão, precisa ser feito para enfrentar a crise sanitária e socioeconômica: 1) colocar as pessoas e suas vidas em primeiro lugar; 2) seguir políticas baseadas na ciência e garantir uma resposta coordenada e sistêmica; 3) manter a união, promover a solidariedade e a cooperação; 4) manter a justiça e a equidade até ser fechada a lacuna da imunização; 5) fortalecer o sistema de governança global de saúde para prevenir e responder às futuras pandemias.
Uma vez que foram ditas, essas podem parecer ideias triviais — mas não são. O discurso de Xi Jinping é um farol que ilumina as trevas do obscurantismo e revela aquilo que deveria ser o óbvio — mas não é.
O leitor mais atento haverá de ter percebido que os pontos elencados por Xi Jinping estão em oposição diamétrica aos princípios que guiam a atuação do governo brasileiro. Ao invés de “pessoas e suas vidas em primeiro lugar”, os apelos pela "volta à normalidade" da economia. No lugar das “políticas baseadas na ciência” e da “resposta coordenada e sistêmica”, o negacionismo e o enfrentamento político com governadores e prefeitos. Diversamente da “união e solidariedade”, o “e daí?” e o “eu não sou coveiro”. Ao contrário da “justiça e equidade”, a sanção à compra de vacinas pela iniciativa privada. Em oposição ao fortalecimento da governança global, o delírio de uma OMS comunista.
Merece também registro o fato da palavra solidariedade ter sido mencionada quatro vezes no discurso do líder chinês. Mão amiga, muito, muito mais do que braço forte, parece ser a toada que guiará as lideranças do século XXI. Foi também com uma referência à solidariedade, que encerrou o seu discurso, numa citação do filósofo romano Sêneca: "somos todos ondas do mesmo mar".
Nestes tristes trópicos, onde mais de 450 mil brasileiros perderam a vida para a Covid-19, não poderia imaginar Sêneca que o mar é de lama.
Por Renato Raposo, jornalista e diretor de relações institucionais da Associação da Imprensa de Pernambuco