1. Quantas vezes a senhora esteve anteriormente na China?
Eu estive na China por duas vezes em 2004, no início do ano a primeira vez e em setembro ou outubro a segunda vez. Nessas duas vezes eu estive como Ministra de Minas e Energia, na primeira acompanhando o presidente Lula e na segunda no processo de discussão que deu origem ao gasoduto Gasene. Foi na negociação que precedeu a parceria entre o Brasil e a China no Gasene, que está no Nordeste, são quase 900 quilômetros (de gasoduto). Acho que esta foi a primeira grande parceria em infraestrutura que o Brasil fez com a China. Na verdade, foi a Petrobras.
2. Quais foram suas impressões do caráter do povo e do processo de desenvolvimento econômico do país?
Primeiro, eu gostei muito de ir à China porque é uma das civilizações mais antigas da humanidade. Segundo, porque ver o desenvolvimento econômico na China não foi uma surpresa, uma vez que todo mundo já constatava isso. Agora, quando você vê de perto a pujança do desenvolvimento chinês, é algo muito impressionante. Mas, sobretudo, eu gostei muito do convívio. É óbvio que há uma barreira da língua, mas o convívio com o povo chinês, que é muito gentil, muito afável com os estrangeiros. Então, foi uma experiência muito boa.
3. Qual será o conteúdo da mensagem política que a senhora transmitirá ao Presidente Hu Jintao sobre a relação bilateral entre o Brasil e a China?
Para mim, a característica principal dessa mensagem é o fato de que o Brasil e a China têm muito a ganhar com uma parceria entre os dois países. E pelo fato de que essa parceria pode ser feita entre dois países que estão fazendo um grande esforço para se desenvolver, cada um à sua maneira. E que essa parceria tem caráter estratégico, ela beneficia os dois países. E também eu acho que um caráter geopolítico pelo fato de que são dois grandes países continentais, um na Ásia e outro nas Américas, o que permitirá que não só se desenvolvam relações comerciais, não só se desenvolvam investimentos recíprocos entre os dois países, mas também o fato de que nós temos a possibilidade de cooperar em várias áreas que serão cada vez mais estratégicas para os dois países, por exemplo, na área de inovação. É importante, eu acho, tanto para a China quanto para o Brasil. Para a China, na medida em que somos grandes parceiros e somos ambos países integrantes dos BRICS, ter uma parceria forte aqui no Brasil. Para além do fato que nós detemos uma grande capacidade de produzir alimentos, grandes reservas de minério e de petróleo, o Brasil tem a firme disposição de agregar valor a seus produtos naturais. E que, portanto, essa é uma relação que, eu acredito, será muito bem desenvolvida entre os dois países porque tem algumas áreas que a China pode ser fundamental para o Brasil e outras que o Brasil pode ser fundamental para a China. Nos dois casos, baseado no conceito que eu acho muito importante na relação entre os iguais: a reciprocidade.
4. Qual é a sua avaliação da crescente presença econômica chinesa, tanto comercial quanto de investimentos, no Brasil e na América Latina?
Eu acredito que a presença de investimentos chineses, de comércio chinês e mesmo, espero que cada vez de forma mais crescente, da cultura chinesa na América Latina e, em especial aqui no Brasil, é muito importante. Nós somos um país que acredita em relações multilaterais e não haverá relação multilateral completa para o Brasil sem a China. A China é um dos parceiros estratégicos do Brasil em todas as áreas.
5. Quais são as expectativas futuras do Brasil para a relação bilateral com a China, e quais devem ser os eixos principais a serem aprofundados na Aliança Estratégica entre os dois países?
O Brasil pretende encaminhar com a China uma parceria na área comercial e vamos enfatizar muito a necessidade das nossas exportações terem conteúdo com agregação de valor. Nós não queremos só ser pura e simplesmente exportadores de commodities. Crescentemente gostaremos de exportar manufaturados. Acreditamos que a China tem um grande potencial de investimento aqui no Brasil em áreas estratégicas. Eu queria destacar principalmente na área de tecnologia, como é o caso das empresas que já estão aqui, a Huawei e a ZTE.
Acredito também que parcerias do Brasil com a China sejam importantes em questões estratégicas. Nós somos hoje grandes produtores, cada vez mais. Aliás, não somos ainda totalmente grandes produtores, mas seremos, sem dúvida nenhuma, na área de petróleo. O nosso objetivo é fazer também parcerias nessa área. Mas é importante destacar que estamos interessados não em exportação do óleo bruto. Nós estamos interessados na formação de uma cadeia de fornecedores de bens e serviços na área de petróleo, por exemplo. E aí há uma grande oportunidade de investimento comum entre o Brasil e a China, sempre dentro desse conceito - que eu acho importante para nações que já tiveram experiências muito negativas, como o caso da China e seguramente do Brasil também, de relações em que a desigualdade era muito forte, padrões imperialistas de investimento e de exploração dos países era muito forte - que é uma relação de igualdade, em que a reciprocidade seja o conceito forte.
Tanto o Brasil quanto a China têm uma longa história de afirmação da sua soberania, do seu povo. E nós, especialmente, temos tido um grande compromisso com a erradicação da pobreza. A gente tem hoje todo um conhecimento bastante razoável sobre políticas de proteção social, de previdência e de elevação da renda do povo brasileiro. Acho que a China e o Brasil podem compartilhar isso também. A China tem também essa experiência, na medida em que ela tirou da pobreza milhões de chineses.
6. Durante sua viagem à China será realizada a III Cúpula dos BRICS. Como o Brasil avalia o papel do grupo para a recuperação econômica mundial e como deve avançar a cooperação entre os países membros para atingir esse objetivo?
Eu acho que os BRICS já deram, estão dando e vão continuar a dar uma grande contribuição para o mundo. Primeiro, porque eu acredito que os BRICS tiveram sempre essa visão de que era importante uma nova ordem econômica, era importante uma nova regulação econômica e, sobretudo, que não se podia negar a realidade da emergência de países que alteraram a face e o perfil do mundo, economicamente, politicamente. E os BRICS foram isso, os BRICS são grandes países continentais, com grandes populações, com um esforço fantástico no que se refere à sua afirmação econômica, mas também elevação social dos seus povos. Agora, os BRICS tiveram uma presença, eu acho, extremamente salutar. Um dos fatores, uma das alavancas do multilateralismo no mundo são os BRICS.
Eu tive várias experiências e assisti o Brasil, fiz várias experiências nessa área. Tanto no que se refere à afirmação da necessidade de reformas financeiras, expressas inclusive no fato de que o mundo já não é o mundo do G-8, mas é o mundo do G-20, como também eu participei de forma até bastante estreita com a Índia e a China, naquela ocasião na reunião de Copenhague, em que nós soubemos ter uma posição conjunta, afirmamos a necessidade de proteção ao meio ambiente, de redução de emissões de gases do efeito estufa. Mas também um princípio fundamental que é o princípio do Protocolo de Kyoto: responsabilidades comuns, mas diferenciadas, porque nossos desenvolvimentos são recentes. E os grandes responsáveis pela poluição não foram esses países emergentes, foram os países desenvolvidos que estão desde o século XVIII, a partir da revolução industrial, eles estão sendo responsáveis pelo nível de emissão bastante elevado. Então eu vi um efeito muito concreto, muito positivo, da relação entre os BRICS naquele momento em Copenhague, que é uma questão decisiva para a humanidade.
Vejo também que os BRICS têm um papel comum que é pensar um mundo que seja um mundo de paz, de desenvolvimento econômico, de desenvolvimento social e, portanto, um mundo mais seguro. Mas não baseado pura e simplesmente na força, na força bruta, mas baseado em processos de desenvolvimento que elevam as populações dos seus respectivos países. Então eu vejo os BRICS assim como elemento muito importante da política externa do Brasil.
7. Qual a opinião do Brasil em relação ao desenvolvimento futuro do grupo e que medidas devem ser tomadas para fortalecê-lo?
Eu acho que a medida que mais pode fortalecer o grupo é nós termos esses encontros sistemáticos que temos, como vamos ter agora na China, se não me engano em Sanya. E eu acho que esses encontros têm resultado em atitudes muito concretas dos países dos BRICS, no sentido da construção de uma nova ordem econômica internacional. Acho que esse é o papel de que nós não podemos abrir mão.
Mas também, recentemente nós votamos, os BRICS votaram em comum, de comum acordo, a resolução 1.973 do Conselho de Segurança. Nós votamos pela abstenção naquela iniciativa que era a iniciativa de bombardeio e de área de exclusão aérea na Líbia. Por que eu estou levantando esse exemplo? Porque eu acho que os BRICS têm de ter um compromisso da construção da paz, uma estratégia de relacionamento internacional baseada no diálogo e baseada na construção de mecanismos de apoio à paz internacional.
8. Qual o significado da incorporação da África do Sul ao grupo BRICS?
Eu acho que a incorporação da África do Sul é uma questão de justiça para nós BRICS. Primeiro que é um grande país africano. Segundo, porque nessas oportunidades nós já temos tido relações com a África do Sul várias vezes. Lá em Copenhague, a África do Sul integrava os BRICS, era BRICS mais África do Sul. E eu acho que essa incorporação é mais um reconhecimento de uma coisa que já é realidade.
Agora, eu acho que é muito significativa porque o Brasil representa América Latina, a Rússia, de uma certa forma, representa uma parte substantiva da Europa, a China e a Índia são grandes países da Ásia, e a África do Sul representa o continente africano. De certa forma, os BRICS se tornaram um órgão intercontinental, também de representação de potências emergentes responsáveis por uma parte muito significativa da população humana, sobretudo, a população européia, a população latino-americana, africana e asiática. Você veja que até na nossa representação nós somos multiétnicos, temos uma cultura diversificada. Para mim, vai ser um momento muito importante essa integração da África do Sul de forma oficial nos BRICS.