Estão sendo realizadas aqui em Beijing as sessões anuais da Assembleia Popular Nacional (APN) e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPCh), um dos mais importantes eventos políticos deste país. Esta é uma ocasião em que delegados e consultores apresentam projetos e propostas, discutem os temas e assuntos que mais interessam à população, e definem as políticas e diretrizes a serem tomadas pelo Estado em 2010. O preço dos imóveis é, sem dúvida, um dos destaques da pauta.
Após uma curta recessão causada pela crise financeira mundial, o setor imobiliário chinês viveu em 2009 uma forte recuperação, marcada pelo incremento vertiginoso da venda e dos preços de imóveis. A imprensa chinesa qualificou como "loucura" os acontecimentos observados no segmento, chegando a comparar preços de imóveis em Beijing aos da casa de Michael Jackson. Desde o final do ano passado, o governo chinês vem anunciando diversas medidas para conter o aumento excessivamente rápido dos preços dos imóveis e afastar capitais especulativos do mercado.
Segundo dados divulgados pelo Escritório Nacional de Estatísticas, no ano passado foram comercializados no país 937 milhões de metros quadrados de imóveis, um aumento de 42% frente ao ano anterior, arrecadando 4,4 trilhões de yuans (US$ 645,1 milhões), cifra 75% maior na comparação com o ano de 2008. O preço médio negociado no mercado atingiu 4.695 yuans (US$ 688) por metro quadrado, um crescimento de aproximadamente 25% em relação ao ano anterior, o ritmo mais forte dos últimos 15 anos. Para muitos chineses, esse aumento superou em muito a capacidade financeira deles.
"Com os salários que ganhamos não temos capacidade nenhuma de comprar apartamentos. A minha renda não é suficiente nem para a entrada mínima."
"Como cidadão comum, quero realmente comprar um apartamento para morar. Mas, com esse preço, sou obrigado a ficar observando o mercado."
Conforme o "Livro Azul sobre Economia", relatório anual divulgado pela Academia de Ciências Sociais da China, as autoridades chinesas lançaram no segundo semestre de 2008 uma série de políticas preferenciais para incentivar a compra de imóveis, devido à queda brusca do volume de negociação e dos preços. O mercado, então, passou a se recuperar de forma surpreendente. Junto com a crescente expectativa de inflação, consumidores que até então optaram por observar o mercado começaram a comprar e investir em imóveis. Como resultado disso, a ampliação da demanda puxou rapidamente os preços. O relatório assinala também que o preço dos imóveis costuma ser entre três e sete vezes maior do que a receita familiar. Na China, no entanto, essa conta chega a oito vezes, ultrapassando a margem de alerta.
No contexto de recuperação da economia chinesa frente a crise financeira, a partir do final do ano passado, Beijing começou a apertar suas políticas preferenciais para a compra de imóveis, com o fim de evitar a possibilidade de bolhas no setor. As autoridades chinesas anunciaram que vão manter em 40% do valor total do imóvel a entrada mínima para a compra de segundos imóveis. Para Dong Fan, diretor do Centro de Pesquisa sobre o Setor Imobiliário, da Universidade Normal de Beijing, a decisão ajuda na contenção das compras para fins especulativos.
"A elevação da entrada mínima tem obviamente um significado positivo para a contenção do superaquecimento de investimentos. Em uma família, a compra de um segundo ou terceiro imóvel pode ser entendido como um ato de investimento."
Os bancos comerciais também começaram a reforçar o monitoramento sobre a liberação de crédito. Parte deles anunciou a anulação do desconto de 30% nas taxas de juros para empréstimos dedicados à compra de imóveis. Quanto a isso, Li Daokui, diretor do Centro de Pesquisa sobre Economias Chinesa e Mundial, da Universidade Tsinghua, expressou sua opinião.
"A anulação do desconto faz parte das medidas detalhadas da diretriz nacional em relação ao controle dos investimentos especulativos no setor imobiliário. Acredito que essa é a tendência entre todos os bancos comerciais. O volume de negociações e o preço dos imóveis devem registrar pequenas quedas."
As medidas restritivas englobam também a exploração imobiliária. A partir de 17 de dezembro passado, os investidores imobiliários passaram a ser obrigados a dar, no mínimo, 50% do valor total do terreno onde pretendem construir prédios como entrada, para ter acesso ao direito de exploração comercial do local. Antes, a percentagem era de 30%. As autoridades chinesas também estão determinadas a combater o acúmulo de terrenos pelos investidores. No dia 1º de fevereiro, a Administração de Recursos Terrestres de Beijing confiscou um pedaço da terra situado no nordeste da cidade por atraso do pagamento. Além do terreno, o investidor perdeu o dinheiro depositado como garantia, um valor total de 200 milhões de yuans (US$ 29 milhões). Logo em seguida, na cidade de Nanjing, no leste da China, o órgão da mesma função também confiscou um terreno já vendido, há dois anos desocupado. O vice-ministro chinês de Recursos Terrestres, Yun Xiaosu, prometeu em uma coletiva de imprensa que o país continuará a lutar contra o acúmulo de terrenos.
"Até o final de 2009, as empresas dedicadas à exploração imobiliária possuíam cerca de 200 mil hectares de terra, suficiente para seus investimentos nos próximos três anos. Nós vamos reforçar a supervisão este ano, com a finalidade de garantir a oferta de imóveis a preços acessíveis. Também tomaremos medidas para combater o 'estoque de recursos terrestres'."
Ao conter o crescimento excessivamente rápido dos preços dos imóveis, Beijing se compromete a aumentar a oferta no mercado. Isso, segundo as autoridades chinesas, é uma resposta positiva àqueles que realmente precisam de moradia. Em dezembro do ano passado, o Conselho de Estado - o gabinete chinês - anunciou que vai aumentar a construção de residências de baixo preço, a fim de beneficiar famílias de baixa e média renda. Este ano, o país deve construir 6 milhões de moradias voltadas a esse público, revelou o vice-ministro chinês de Habitações e Construção Urbana e Rural, Qi Ji.
Em Beijing, o número de residências de baixo preço deve ocupar 50% do montante total das habitações a serem construídas na cidade, assegurou o porta-voz do Comitê de Habitações de Construção Urbana e Rural de Beijing, Xu Zhijun.
"Este ano, a cidade de Beijing vai reforçar a construção de residências a preços acessíveis. No total, a cidade deve oferecer 134 mil unidades, ocupando 50% da totalidade a ser construída."
As medidas para frear a compra de imóveis surtiram efeito no começo deste ano. Em janeiro, o volume de negociações de imóveis em Beijing caiu 42% em relação ao número registrado em dezembro do ano passado. Em Shanghai, a área de imóveis negociados diminuiu 50% frente dezembro de 2009. A mesma cena aconteceu em Shenzhen, no sul da China. Apesar disso, especialistas não veem a queda como indício de uma nova onda de recessão. O vice-presidente da Academia Chinesa do Setor Imobiliário, Gu Yunchang, fez sua avaliação.
"As medidas restritivas visam conter o aumento excessivamente rápido dos preços e manter o crescimento estável e moderado do setor. A queda brusca do volume de negociações é desfavorável ao desenvolvimento do segmento e de toda a economia."
Neste momento, especialistas da área estão pesquisando o efeito desse controle no mercado imobiliário nacional. O resultado deve servir de referência à elaboração da futura política de macrocontrole.