O ministro da Fazenda, Guido Mantega, avaliou segunda-feira que a crise financeira mundial já começa a afetar a economia real de todos os países e reconheceu que 2009 será um ano de recessão ou de crescimento menor para todos. Ele revelou que para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva o Brasil está em uma situação melhor para enfrentar a crise financeira internacional do que outros países emergentes, como, por exemplo, a Índia, a Coréia e a Rússia.
Mantega reproduziu a frase do presidente sobre a crise: "Estamos sendo atingidos, seremos atingidos, mas, em relação à Índia, Coréia ou Rússia, o Brasil está em uma situação melhor." Sobre a China, ele ressaltou as medidas do governo de Beijing para reduzir os efeitos da crise. Ele lembrou que a China anunciou um pacote de US$ 600 bilhões para os próximos dois anos.
E voltou a afirmar que, no Brasil, haverá apenas uma desaceleração, porque a economia brasileira continua sólida e está "sob controle". Em entrevista à Xinhua, Mantega falou sobre a reforma do sistema financeiro internacional mundial, comentou as propostas do Presidente chinês, Hu Jintao, e apresentou medidas concretas para aumentar a participação dos países em desenvolvimento no FMI e no Banco Mundial.
Sobre os defeitos do atual sistema financeiro internacional mundial, o ministro brasileiro disse que a ausência de uma regulação e supervisão adequadas dos mercados demonstraram a fragilidade do sistema financeiro internacional. "Antes mesmo da Cúpula G20, quando a crise atingiu seu ponto mais agudo, em setembro e outubro, alertamos para a falta de mecanismos de acompanhamento da evolução de riscos sistêmicos associados à atividade financeira com impactos globais", acrescentou.
De acordo com ele, falta uma maior regulação sobre as atividades de securitização, com exigências de capital e não existe transparência, regulação e supervisão estatal nas operações com derivativos. Um dos grandes problemas da atual crise é a existência de produtos financeiros que poucos sabem como precificar. Não existe padronização dos contratos de derivativos para que os compradores saibam o que exatamente estão comprando.
"Podemos dizer que os países emergentes não dispõem de uma ampla rede de proteção social e ainda precisam investir pesadamente em infra-estrutura econômica (energia, transportes, ect) e social (habitação, saneamento). Além disso, o sistema financeiro atual utiliza os mesmos critérios prudenciais tanto na fase boom quanto na fase de crise. Isto acaba incentivando a alavancagem em momentos de alta no mercado (ganhos de capital aumentam o patrimônio líquido que, por sua vez, incentiva o endividamento) e desalavancagem em momentos de baixa", disse o ministro.
"Para combater essa distorção propomos a exigência de capital, fundo de reserva e compulsório anticíclico, que devem ser maiores períodos de rápido crescimento do crédito e de maior risco e menores em períodos de retração nos mercados. Também faltam regras de transparência no balanço contábil das instituições financeiras (bancos comerciais, bancos de investimentos, hedg funds, etc). Deve-se assegurar que o real valor dos ativos e exposições a riscos, inclusive aqueles fora de balanço, seja efetivamente medido e demonstrado. Em suma, insuficiências na regulação e supervisão em nível nacional permitiram que os agentes financeiros assumissem riscos extremados, levando o mundo a uma crise só comparável à de 1929.
O ministro elogiou as quatro prioridades na reforma do sistema financeiro internacional apresentadas pelo presidente chinês Hu Jintao:aumentar a cooperação internacional na regulação financeira; fazer avançar a reforma das instituições financeiras internacionais; incentivar a cooperação financeira regional e melhorar o sistema monetário internacional.
"As propostas do presidente Hu Jintao são convergentes com as do governo brasileiro. Assim como ele, a proposta do Brasil é no sentido de reformar as instituições financeiras internacionais com vistas a aperfeiçoar a cooperação (internacional e inter-regional). Isso é importante na medida em que o aprofundamento da globalização financeira e a crescente integração dos mercados tornaram mais significativos os efeitos e a velocidade de contágio das crises financeiras. Ao se falar em reforma das instituições financeiras internacionais, acreditamos, por exemplo, que o G8 (sete mais ricos mais a Rússia) não apresenta mais condições de liderar temas econômicos mundiais. O momento favorece a definição de um novo fórum de diálogo político de alto nível", disse.
"Assim, também defendemos o reforço institucional e eficácia do G-20, elevando-o ao nível de fórum de Chefes de Estado e ampliando sua capacidade de autuar na gestão da prevenção de crises. Entre nossas maiores preocupações também estão a definição de regras, recomendações e incentivos à adoção de políticas macroeconômicas que contribuam para a estabilidade e o crescimento econômico sustentado no longo prazo. As reformas das instituições financeiras internacionais devem ser orientadas a dotá-las de maior legitimidade e representatividade, para que reflitam a configuração das relações econômicas internacionais contemporâneas.
Sobre a relação entre Brasil e China, o ministro brasileiro disse que devem ser atribuídas aos países emergentes, como Brasil e China, maior voz e representação na elaboração de regras e nas deliberações no âmbito do FMI e do Banco Mundial, por exemplo, instituições que necessitam de reforma e maior legitimidade diante da nova ordem econômica mundial. No que se refere à política monetária, a percepção do governo brasileiro é de que ela deve compatibilizar controle da informação com crescimento econômico. Para países emergentes é importante manter altas taxas e crescimento durante um longo período. Creio que Brasil e China concordam também neste ponto.
Sobre a participação dos países em desenvolvimento no FMI e o Banco Mundial, o ministro disse que o governo brasileiro defende a inclusão dos emergentes nos grupos decisórios. Somos hoje responsáveis por 75% do crescimento da economia do mundo e temos pouca voz nas decisões. É preciso reformular essa correlação de forças e o G-20 deve deixar de ser apenas um órgão reflexivo. O que o Brasil propõe é um aumento significativo do poder de voto das economias emergentes e em desenvolvimento nos organismos financeiros internacionais.
"Consideramos tímidos os primeiros movimentos da reforma do Banco Mundial, por exemplo. A duplicação de votos básicos e o uso de quotas não alocadas para compensar a perda de poder de voto de países emergentes correspondem a uma transferência de apenas 1,4 pontos percentuais dos votos dos países desenvolvidos para países em desenvolvimento. Caso o mini-pacote proposto pela Diretoria aos governadores seja aprovado, mantém-se o desequilíbrio que assegura aos países ricos maior poder de voto (ao redor de 58,2%)", analisou.
"Por isso, o Brasil sugere a retomada imediata do processo da reforma do Banco mundial em bases mais ambiciosas, a qual deve resultar no aumento significativo do poder de voto das economias emergentes e em desenvolvimento. Essa reforma deve seguir critérios pré-definidos, entre os quais: considerar o mandato da instituição como banco de desenvolvimento; buscar a paridade de representação dos países desenvolvidos e dos emergentes; reconhecer a importância relativa de cada país na economia internacional, com base no PIB/PPP; valorizar a relação dos países em desenvolvimento com o Banco como sócio (reconhecimento da contribuição financeira de cada país na instituição) e cliente (importância de cada país na carteira de projetos do Banco Mundial).
Sobre o Fundo Monetário Internacional (FMI), o ministro brasileiro comentou que no âmbito do FMI, a proposta brasileira é também que se dê continuidade ao processo de reforma da instituição, aprovada este ano, que prevê que 57,9% dos votos corresponderão a países desenvolvidos e 42,1% a países emergentes.
"Defendemos ainda a antecipação da próxima etapa da reforma de quotas e votos no fundo, prevista inicialmente para 2013. Além disso, o Brasil sustenta que os altos dirigentes das duas instituições sejam escolhidos por meio de processos abertos e transparentes, sem restrição a candidaturas em função da nacionalidade. O Brasil reivindica maior legitimidade tanto ao FMI quanto ao Banco Mundial", finalizou o ministro da Fazenda.
|