Eric Wang entra em uma cafeteria Starbucks que fica perto de seu escritório, no distrito comercial central de Beijing, vestindo um terno azul-escuro com gravata dourada e tomando uma xícara de cappuccino.
"Há uma diferença enorme entre minha vida e a de meus pais", diz Wang, um auditor independente na PriceWaterHouse Coopers.
Nasceu em uma família rural na província de Zhejiang, leste da China, Wang conta que seus pais são agricultores tradicionais, que sobrevivem do cultivo do arroz e da pesca no Lago Tai. Quando mais jovem, o contabilista ajudava seus pais, no campo, todos os verões, o que bronzeou seu rosto e fortaleceu suas mãos.
Wang estudou e conseguiu cursar a Universidade de Comércio e Economia Internacional em Beijing. Fascinado pelos arranha-céus na capital chinesa, Wang preferiu não voltar para sua casa de madeira de dois andares onde nasceu.
Agora, aos 29 anos de idade, ele ganha mais de 200 mil yuans (US$ 29 mil) por ano através de trabalhos que realiza na corretagem de ações de empresas que operam com a bolsa de valores.
Considerando o PIB per capita de US$ 2.042, registrado na China em 2007, Wang era justamente rico. Foi por isso que ele pediu para não usar seu nome chinês. Na China, expor fortuna não é inteligente.
Seus pais vivem da mesma maneira como passavam por décadas. Quando sabiam que seu filho trabalha em uma empresa estrangeira de auditoria, não tinham nenhuma idéia de como a agência produz lucros.
Wang mora com sua noiva em um apartamento de dois quartos, que comprou há dois anos na área urbana da cidade, cujo financiamento será concluído em três anos. A próxima meta é um Mondeo da Ford, fabricado na China, o equivalente a US$ 29 mil.
"Tenho sorte, mas outros têm histórias semelhantes", diz Wang, "É uma tendência", acrescenta.
Em cidades desenvolvidas, como Beijing, Shanghai, Guangzhou e outros importantes centros urbanos, Wang e outras pessoas que apresentam condições financeiras semelhantes à dele formam parte de um grupo que existe apenas na China, desde que a reforma econômica do país começou três décadas atrás.
Há trinta anos, os pais de Wang viviam em um tipo de núcleo social que era conhecido como comunidade do povo, uma organização na qual tudo era compartilhado coletivamente pelos agricultores. Os trabalhadores desfrutavam o bem-estar por toda a vida. Outro grupo, os intelectuais, incluindo professores universitários e artistas, foram concentrados em diferentes coletividades. O sistema socialista não deixou ninguém de fora.
Isso mudou quando a China iniciou uma política de abertura e reforma econômica em 1978, no momento em que o líder nacional, Deng Xiaoping, com seus colegas, decidiram pôr fim à luta de classes e colocar o país nos trilhos do desenvolvimento econômico.
O pesquisador do Instituto da Sociologia da Academia de Ciências Sociais da China, Zhang Wanli, assinala que antes de 1978, a China tinha três classes, agricultores, trabalhadores e intelectuais. Empresas privadas foram estritamente proibidas. Um agricultor seria considerado um "rabo do capitalismo", que tinha que ser eliminado mesmo que vendesse ovos em mercado livre rural.
As restrições foram gradualmente retiradas a partir de 1978. As pessoas podiam abrir empresas privadas e empregavam funcionários. Depois, o capital estrangeiro entrou. Graças a essas mudanças. os setores comercial, financeiro e de serviços cresceram rapidamente. Novos empregos, gerentes de colarinho branco em sociedades empresariais de capital nacional e estrangeiro, donos de pequenas e médias empresas, apareceram no país, assim como profissionais como advogados e contabilistas.
Livrando-se das limitações do velho sistema, eles obtiveram a liberdade da mobilidade, o que lhes permitiu conseguir lucros financeiros, como propriedades empresariais e conhecimento, nos mercados emergentes.
"Eles fazem trabalho intelectual, e usam seu capital cultural e habilidades profissionais para ganhar a vida", comenta Zhang.
No entanto, a nova classe enfrentou controvérsias. Muitas pessoas acreditam que a "classe média" é um estilo de vida. Eles crêem em que uma família desta classe deve ter pelo menos um apartamento e um carro, além de permissão de entrada de um clube de golfe, e realizar diversas viagens para o exterior. Em outras palavras, um estilo de vida de ricos.
"Não tenho carro, e moro em um apartamento construído como moradia de unidades de trabalho da Academia de Ciências Sociais da China", expressa Zhang. "Mas uma vez que eu tive uma reunião com um empresário milionário, ele comentou que eu pertencia definitivamente à classe média". Zhang acrescenta que a posição social e profissões, em vez de rendas, desempenham papeis mais importantes na definição de classes sociais.
Em 2001, a academia realizou uma pesquisa nacional, descobrindo que a classe média em termos de profissão, incluindo pessoas com novos empregos e as em setores não-públicos, e os funcionários governamentais e intelectuais de nível médio, representaram 20% da população total.
No levantamento, os intelectuais elites, executivos, servidores de nível vice-ministerial e mais altos, bilionários de negócios privados foram considerados como a classe superior, enquanto os industriários e comerciários, agricultores e desempregados pertenceram à classe inferior.
Embora o número de membros da classe média mantivesse seu crescimento nos últimos sete anos, Zhang informa que sua proporção na população é quase a mesma devido a que mais pessoas rurais se dirigem às cidades para encontrar empregos. Considerando o fato de que a população rural ocupa quase 64% do total, isso é um número realmente enorme.
Em 2006, a revista estatal Outlook Weekly reportou que o grupo emergente, incluindo pessoas profissionais e de setores não-públicos, representaram 11,5% da população e contribuíram quase um terço na arrecadação total de impostos totais. Eles também possuíam mais de metade dos direitos de patentes técnicas.
"Se a classe média puder ser qualificada por um critério financeiro, então eu faço parte dela", diz Eric Wang, "mas isso não faz sentido, sou apenas um trabalhador com salário alto", pondera.
A classe média da China tenta encontrar uma posição no sistema político estabelecido. Durante os últimos anos, a posição política da classe média continuou em crescimento. Os intelectuais discutem políticas públicas nos meios de comunicação. Os Governos e legislaturas pedem consultas de advogados e auditores sobre leis e regulamentos.
Zhang aponta que mais empresários e profissionais liberais conquistaram cargos como deputados do útlimoúltimo Congresso Nacional do Partido Comunista da China em 2007. Considerando a crescente influência social e econômica da nova classe social, o Partido se empenha por inclui-la nos mecanismos políticos.
O ano de 2007 testemunhou a implementação da Lei da Propriedade, norma há muito esperada, que definiu o status legal de ativos privados, dando aos indivíduos os mesmos direitos sobre sua propriedade em comparação ao Estado e às coletividades.
No fim de 2007, os moradores na cidade de Xiamen, na província de Fujian, sudoeste da China, fizeram protestos pacíficos contra um projeto de construir uma fábrica com um orçamento de 11 bilhões de yuans, cujo objetivo era produzir paraxileno. O movimento veio depois que uma cientista química local e também membro da Academia de Ciências da China, Zhao Yufen, denunciou que a construção dessa indústria trazia riscos potenciais para a região, o que a levou a submeter uma proposta ao órgão consultivo político do país, pedindo sua reconsideração.
Depois que a proposta foi publicada, os moradores e donos de propriedades próximas ao local reservado para a construção se preocuparam com o impacto ambiental, manifestando oposição contra a construção por internetInternet, mensagens de texto e "passeios" pelo lugar. O governo suspendeu então o projeto e mudou finalmente a localização para uma área distante de Xiamen.
O incidente é amplamente considerado como a crescente influência política da classe média da China. O Southern Weekly, um importante jornal liberal e popular no país, nomeou-o como marca para a ascensão de uma sociedade civil.
No entanto, para a classe média em si, a política ainda não tem tanta relação com sua vida. Para Eric Wang, a política só significa dar opiniões que serão encaminhadas a seu chefe. Quando os regulamentadores do governo quiserem divulgar ou modificar regulamentos sobre auditoria, "meu chefe será consultado", diz.
Mas Wang deseja mais. "Um dia quando ganhar mais poder econômico, creio que a classe média, como tal, poderá alcançar lugares políticos mais altos", prevê. Fim
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