Durante o primeiro simpósio nacional chinês sobre a literatura portuguesa, realizado no final de 1996 em Beijing, foram exibidos cinco retratos de escritores portugueses que fiz.
Criei os retratos com grande inquietação.
Estudioso da literatura estrangeira e redator durante muitos anos, lamento por ter pouco conhecimento sobre a literatura portuguesa e o simpósio abriu-me um novo horizonte de estudos.
Fazer desenhos de escritores portugueses foi um desafio significativo para mim: poderei entender corretamente a literatura de Portugal? Serei capaz de descrever corretamente o perfil dos escritores? Depois de uma discussão com estudiosos da literatura portuguesa, decidi fazer cinco desenhos, respectivamente de Luís Camões, Eça de Queiroz, Miguel Torga, José Saramago e Sophia Andresen.
Camões é um grande poeta português do século 16, contemporâneo do grande escritor chinês Wu Cheng´en. Camões elogiou, em "Os Lusíadas", a expedição de portugueses à Índia, desafiando todo tipo de dificuldades e perigos, enquanto seu contemporâneo chinês criou o clássico "Peregrinação ao Oeste", mostrando que os antecedentes chineses arriscaram a vida em busca de sutras budistas no Paraíso Oeste (Índia).
Para fazer o desenho de Camões, li algumas matérias como referência e fiquei sabendo que ele perdeu um olho. Para evitar a deficiência, desenhei uma silhueta do poeta com fundo do mar e imagens de figuras mitológicas. Aguardo os comentários de compatriotas de Camões.
O período de maior produção de Eça de Queiroz coincidiu com o apogeu da literatura mundial no século 19. Nos últimos anos, suas obras "O Crime do Padre Amaro", "O Primo Basílio", "Os Maias" e "A Cidade e as Serras" foram publicadas em versão chinesa e despertaram a atenção dos leitores. A meu entender, o êxito de Eça se baseia na sua reflexão sobre a pátria e a vida do povo em diversas camadas sociais. Como diplomata, viveu por muitos anos no exterior. Teve seu período de criação amadurecida na Grã-Bretanha e escreveu algumas obras importantes na França. Ao fazer o retrato dele, vieram-me à mente, muitas vezes, as imagens de Gustave Flaubert, Charles Dickens e até Lev Tolstoy. É difícil de explicar porque fiz um Eça lendo à luz de vela, mas a propósito, fiz um retrato de frente para que seu olhar se cruze com o dos visitantes, como se ambos refletissem a vida das mulheres e de suas respectivas nações.
Miguel Torga foi um grande escritor português em meados do século XX. Médico de carreira, obteve grande prestígio na criação literária. Torga, pseudônimo do escritor, é o nome de uma planta, daí percebi a admiração do escritor pela natureza. Muitas obras enaltecem as montanhas e rios do país e a harmonia entre os seres humanos e a natureza. Por isso, coloquei o escritor no fundo de paisagens naturais. Considero que ele mesmo representa uma das mais brilhantes paisagens de Portugal.
José Saramago é um dos maiores literatos de Portugal. Vi várias fotos dele: com óculos, careca, olhos brilhantes e pensativos, com a boca bem fechada, expressão séria … e fiquei impressionado com a firmeza do escritor. Fiz o retrato de Saramago com o fundo de uma igreja para despertar uma sensação de intimidade nos leitores e mais interesse pelas obras do autor.
O mais difícil desenho que fiz foi o da poeta Sophia Andresen. Os amigos me forneceram apenas uma foto, em que a poeta estava contemplando alguma coisa com cabeça levantada. Com isso, foi difícil fazer um retrato. Comecei a ler poemas dela em busca de algumas inspirações. Logo depois de estudos, decidi fazer uma Sophia Andresen do meu coração. Seus versos dizem:
Nos espaços da manhã marinha
Quase livre como um deus eu caminhava
Ela ama o mar, a luz do sol, o céu azul e a liberdade. Nas minhas pinceladas, Sophia Andresen passeia à beira do mar, o vento sopra seus cabelos e os versos brotam de sua mente. Não tenho certeza do que fiz, mas procuro descrever sua expressão. Espero que um dia possa encontrar a poeta pessoalmente e ouvir seus comentários sobre minha criação. Espero mais ainda ouvi-la recitar seus próprios poemas e neste momento, poderei provavelmente fazer um novo retrato para ela.
Ao final do simpósio, encontrei-me com o embaixador de Portugal em Beijing, José Manuel Duarte de Jesus. Fiquei sabendo que ele, além de ser embaixador, é um pintor. Pedi seus comentários sobre os cinco retratos que fiz. Ele contemplou por um longo tempo meu rosto cheio de ansiedade e mostrou um sorriso: "Adoro os retratos." Viu-me suspirando com alívio e acrescentou: "Parabéns", e apertou minha mão.
Fiquei satisfeito. Uma recompensa para o processo de estudos e criação que durou seis meses. A partir disso, meu psique está enriquecido com a literatura portuguesa e sinto-me feliz por ter feito algo para a amizade e o intercâmbio literário entre os povos chinês e português.