O mito helénico de Electra, eterna viúva de seu pai que a mãe e o amante assassinaram, transposto por João Canijo para os dias de hoje e para o lugar de uma aldeia transmontana.
Operação de risco que o cineasta leva a cabo com segurança, dando-nos um filme denso, negro, onde Anabela Moreira e Márcia Breia nos brindam com interpretações de mais amarrar que seduzir. Objecto glauco, metáfora do país, Mal Nascida é um filme dominado pelo destino que acorrenta os personagens à tragédia.
João Canijo é firmemente um dos maiores valores do cinema português contemporâneo. Com apenas cinco filmes no currículo, o realizador português já se cimentou como um dos principais cronistas cinematográficos da realidade portuguesa.
Nascido a 10 de Dezembro de 1957 no Porto, João Altavilla Canijo frequentou o curso de História da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1977 - 80), mas viria a ser o cinema o seu destino. Estreou-se na sétima arte como assistente de realização, tendo-o feito nos filmes O Estado das Coisas, do ilustríssimo Wim Wenders, Fim de Estação, de Jaime Silva, O Rei das Rosas, de Werner Schroeter e O Desejado de Paulo Rocha. Também experimentou o mundo da televisão ao realizar as séries Alentejo Sem Lei, Cluedo e Sai da Minha Vida e até o teatro não lhe escapou ao já ter encenado peças como Quem Pode Pode, de David Mamet e Confissões ao Luar, de Eugene O'Neill.
Além de ser co-responsável pelos guiões de todos os filmes que dirigiu, assinou também o argumento de Tarde Demais em parceria com o realizador José Nascimento, e, de novo com Wenders ao leme, foi director de produção de Viagem a Lisboa, onde também participou como actor. Tendo como actores-fetiche Rita Blanco e Adriano Luz, estreou-se na realização com Três Menos Eu, onde retrata uma relação de crescente cumplicidade entre duas primas de 18 anos. Seguiu-se Filha da Mãe, uma obra de apurado rigor estético que mescla comédia sentimental, intriga policial e tragédia conjugal. Oito anos depois regressou em grande estilo com Sapatos Pretos, uma história de forte componente sexual, negra e suja, passada num Alentejo contemporâneo e baseada num caso criminal real. 2001 foi o ano de Ganhar a Vida, presente em Cannes na secção Un Certain Regard. Totalmente rodado em Paris, é o primeiro filme nacional a abordar em profundidade o tema da emigração, onde uma Rita Blanco dilacerada brilha intensamente. Também concorrente em Cannes na secção Un Certain Regard, o ano passado, esteve Noite Escura. Considerado por vários como um dos melhores filmes portugueses de sempre, é uma história baseada na tragédia grega Ifigénia em Aulis, onde uma família do submundo português é tocada pela desgraça. Não esquecer que é o candidato português à nomeação para Óscar de melhor filme estrangeiro. Esperemos que tenha sorte.
João Canijo assume-se como uma das principais forças de vitalidade vigente no cinema do nosso país. E tem de continuar inspirado. Por um Portugal melhor.
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