Wang Wei partiu há mais de doze séculos. Na genial simplicidade da sua poesia ficou este convite para o eterno retorno ao que de porventura mais belo existe à nossa volta, luar e nuvens, montanhas e rios, florestas e céu azul. A China que o poeta habitou - hoje as províncias de Shanxi, Shaanxi, Shandong, Henan, Hebei, Hubei e Gansu -, era, é um país polvilhado de majestosas montanhas, extensas planícies, cursos de água, bosques e aldeias. O império teria então cerca de cinquenta milhões de habitantes, era pois escassamente habitado. Poetas, mandarins, monges, nos dias, meses de lazer, procuravam, encontravam na ligação com a Natureza a serenidade capaz de os reconciliar consigo e com os outros homens.
Em Wang Wei, as longas estadias nos abrigos de montanha, que por vezes ele próprio constrói e arranja, mais do que uma reconciliação correspondem a um encontro, à descoberta da harmonia interior-exterior. O poeta não é o simples ermitão solitário, asceta, místico, que, egoisticamente, se limita a fruir o belo à sua volta e a utilizar a linguagem poética como testemunho. São vastas as montanhas e quem pode parar o coração, o qi, a força vital do poeta?
Há alguns anos, a propósito de Li Bai (701 - .762) outro mágico trovador contemporâneo de Wang Wei, escrevi:
"O poeta procura e encontra na Natureza o seu ser e a paz. Mistura-se aos regatos, às pétalas que caem, deixa-se envolver pela brisa, encharca-se de luar. A Natureza imutável, pintalgando-se ao ritmo das estações do ano, é um dos deuses supremos do homem taoista que, ao invés do que acontece no Ocidente, não luta contra a Natureza, faz parte dela. Solitário no alto da montanha ? que une céu e terra -, o poeta olha a lua e tem o universo inteiro".
Wang Wei, como veremos, é unanimemente considerado um poeta budista. Mas quase todos os grandes poetas do Império do Meio enraízam em si as três vias existenciais do pensamento chinês. Confucianos para ordenar, moralizar a conduta, taoista para alcançar a liberdade e comungar com a Natureza, budistas para depurar a mente, buscar a iluminação.
Wang Wei assume-se como discípulo de Hui Neng (638-715), um dos primeiros patriarcas do budismo chan, mais tarde o zen japonês, sereno e contemplativo, tão próximo do taoismo.
Um homem que se senta em silêncio para ouvir uma flor desabrochar e assim lava os olhos e o espírito, palmilha certamente as vias de Buda, um homem que se balanceia pelos imensos espaços vazios, olha o luar tecendo rendilhados na floresta e ouve e música da Natureza capaz de enternecer as nuvens, avança seguro nos caminhos do Tao, e um homem que, ao encontrar um amigo amargurado e triste porque foi preterido numa promoção, escreve:
Vem beber um copo e descansar,
Os homens mudam sempre, como as ondas do mar.
Nós dois temos envelhecido juntos,
Apesar dos reveses, continuamos vivos.
...
Porquê tanta pergunta, tanta luta,
Os negócios do mundo, as nuvens flutuantes?
Descansa, deixa fluir a vida e vem jantar comigo.
É seguramente discípulo de Buda, seguidor do Tao, aluno de Confúcio, e alguém muito semelhante a todos nós.
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