No dia 16 de novembro de 2009, o Museu de Caracteres Chineses foi inaugurado em Anyang, antiga capital da Dinastia Shang, a primeira dinastia da história chinesa. Os repórteres Renato Lu e Vila Zeng, do departamento de língua portuguesa da CRI, entrevistou o Sr. Zhou Youguang, conselheiro do Museu, também conhecido como "pai do Pinyin dos caracteres chineses"(o alfabeto fonético chinês).
O Sr. Zhou tem 104 anos e mora em um apartamento simples de Beijing. Quando chegamos, o encontramos em sua pequena sala de estudos, analisando o plano da entrevista que faríamos com ele. Apesar do audiofone que Zhou precisou usar, ele se mostrou disposto e cheio de vigor para conversar conosco.
Origem dos caracteres chineses
"A língua diferencia os humanos dos animais; a escrita, uma sociedade civilizada de uma rústica; e educação, o progresso do atraso. A frase resume o processo de evolução da humanidade. Para deixar claro, a primeira parte desse processo é a fala. Os animais não falam, mas os humanos sim, então isso os diferencia. A marca mais importante de uma civilização é a escrita. A criação da escrita possibilitou o registro da história. Por isso, o papel da escrita é fundamental", disse o Sr. Zhou.
Segundo ele, a China criou a grafologia, a ciência que estuda a escrita. As inscrições pré-históricas de 3.300 anos feitas em carapaças de tartarugas e ossos de animais, descobertas em Anyang, são os mais antigos e sofisticados tipos de escrita já encontrados. A fundação do Museu de Caracteres Chineses na região não só celebra a origem da escrita chinesa, mas é de importante significado para as pesquisas sobre o tema.
Exaltar o presente sem desprezar o passado
Em 1955, quando ainda era professor de economia na Universidade Fudan, em Shanghai, Zhou Youguang participou de uma reunião de modificação da escrita chinesa, realizada em Beijing. Ele recusou o convite para trabalhar na Comissão de Reforma da Escrita Chinesa, alegando não dominar o assunto. Para convencê-lo, o chefe que lhe fez o convite usou o argumento de que tratava-se de um trabalho novo para todos. Zhou iniciou a participação na comissão quando tinha 49 anos. E, até hoje, quando fala sobre seu cargo no Museu, ele diz ainda se considerar um "conselheiro leigo".
Para Zhou, as pequisas acerca dos caracteres se dividem em duas partes: conhecimento sobre a cultura antiga e aprendizado sobre o que há de moderno na cultura mundial.
"Recentemente, surgiu uma tendência ideológica de regressar ao passado, como forma de preencher um vazio cultural. Mas um país culturalmente rico como a China não deve ter lacunas nessa área. Por um lado, devemos continuar pesquisando informações das dinastias anteriores; por outro, é preciso absorver a cultura moderna de todo os lugares do mundo. A cultura está em constante evolução. O país fez uma reforma no setor cultural e não recebeu informações importantes por um determinado período. Então, já temos um atraso em relação à cultura mundial. Por exemplo, a política de reforma e abertura criada por Deng Xiaoping trouxe desenvolvimento econômico rápido ao país. Por isso, devemos nos esforçar em alcançar os avançados, além de recuperar e desenvolver nossa cultura tradicional. Agora, a criação do Museu é muito boa. O governo, a sociedade e o setor acadêmico trabalharam muito bem", disse o Sr.Zhou.
Por trás da popularidade do mandarim
À medida que Instituto Confúcio se populariza mundo afora, cresce o número daqueles que enxergam o mandarim como o idioma do futuro. O senhor Zhou concorda com essa tese e a explica com quarto argumentos:
"Primeiro, o comércio entre a China e o mundo cresce a cada dia. Por isso, aprender o mandarim facilita os contatos comerciais. Segundo, a China é um país rico culturalmente, e os estrangeiros que estudam a cultura dos povos querem conhecer a chinesa. Então, estes também aprenderiam o mandarim. Terceiro, o turismo é parte importante da economia de um país. Além disso, o turismo eleva o nível cultural e amplia a visão dos povos. A China é rica em recursos turísticos, e essa é outra das razões pelas quais os estrangeiros se interessam pela nossa língua. Quarto, aprender chinês é considerado moderno", decretou o Sr. Zhou.
Apesar disso, Zhou não se empolga e prefere a lucidez ao analisar a tendência. Na década de 80, ao questionar um oficial da ONU sobre a proporção que o mandarim ocupa nos documentos da entidade, a resposta foi, segundo suas próprias palavras: "Na ONU, 80% dos documentos foram escritos em inglês, 15% em francês, 4% em espanhol, e o restante em russo, arábe e chinês. Ou seja, a língua chinesa ocupa menos de 1% dos documentos da ONU." Zhou suspirou profundamente antes de nos dizer:"Sabendo da posição que o mandarim ocupa no cenário internacional, podemos entender agora o tamanho do trabalho que temos pela frente, relacionados à escrita e linguística."
Ao ser questionado pelo repórter Renato sobre o futuro do interesse pelo mandarim, Zhou afirmou que a tendência natural dos caracteres tradicionais é assumir formas mais simples. Um caractere é regulamentado como simples a partir de sua consagração pelo uso, nunca através de uma imposição. Esse conceito de desenvolvimento social é reconhecido internacionalmente. A China, um grande país com uma população de 1,3 bilhão de pessoas, ainda possui muitos analfabetos. Então, a regulamentação dos caracteres simples favorece a popularização da cultura em todo o país.
O Sr. Zhou Youguang testemunhou a transição de três sistemas políticos na China: o final da dinastia Qing, a República da China e a República Popular da China. Do alto de seus 104 anos de experiências e muita sabedoria, ele encerrou nossa entrevista com a seguinte frase: "A cultura não pode estagnar, a linha da cultura não pode ser cortada. Nós estudamos as culturas antigas não para perpetuá-las, mas para que elas nos auxiliem no desenvolvimento de nossa nova e moderna cultura."