"A criação do Museu de Caracteres da China é uma grande ideia", disse o diretor do Museu e famoso erudito chinês, Feng Qiyong. O Museu foi inaugurado oficialmente no dia 16 de novembro de 2009 em Anyang, terra onde foram descobertos os mais antigos indícios da escrita chinesa, chamada Jiaguwen, que eram inscrições em ossos de animais e carapaças de tartaruga. O Museu exibe, através dos objetos encontrados em escavações, a origem, a evolução e o desenvolvimento da escrita chinesa, e oferece um panorama completo de como as escritas das etnias do país se desenvolveram. O repórter do jornal Arte fez uma entrevista com Feng Qiyong.
Arte: O senhor disse que a criação do Museu de Caracteres da China é uma grande ideia. Como você avalia a importância do espaço?
Feng: A escrita sempre foi, ao longo de milhares de anos de história, um meio de veicular a história da civilização, pois é testemunha do progresso, da sabedoria e da criatividade das nações, como a chinesa, e contribui para o desenvolvimento cultural de um povo. Por isso, acredito que todos os chineses devem conhecer a origem, o desenvolvimento e o processo evolutivo de sua escrita. E é aí que o Museu estatal entra, fornecendo uma coleção de registros históricos para o público. Ele reúne objetos escavados, história e características dos caracteres, além de novos resultados das pesquisas de campo. Neste sentido, o Museu exercerá grande influência para a transmissão, proteção, pesquisa e desenvolvimento dos caracteres chineses.
Arte: A criação do Museu é uma resposta ao crescente interesse popular na cultura e nos caracteres chineses?
Feng: A escrita é o "tesouro dos tesouros". Temos inúmeros tesouros, mas por que qualifico a escrita como "o tesouro dos tesouros"? O fato de um objeto descoberto em escavações ter ou não inscrições vai determinar seu valor histórico. Com inscrições, conhecemos a história e muitas informações que circundam a peça. Sem tais informações, torna-se difícil falar da transmissão da civilização e da cultura, bem como de seu desenvolvimento, de forma precisa. E foi com muita satisfação que vi que cada vez mais pessoas estão cientes da importância da escrita e manifestam muito interesse na evolução dos caracteres. Neste sentido, o Museu representa um lar para os caracteres chineses, e sua criação pelo governo chinês é um importante passo no desenvolvimento cultural do país.
Arte: Os caracteres são um "membro" da grande família da escrita chinesa. Qual é origem dos caracteres e como o senhor avalia a descoberta da escrita Jiaguwen?
Feng: Os caracteres evoluíram de sinais, que eram manifestações pré-históricas. Os seres humanos, quando atingiram um certo nível de desenvolvimento, passaram a sentir a necessidade da escrita e dos registros. Isso é sintomático ao progresso e ao desenvolvimento da sabedoria. A Jiaguwen levou muito tempo para aparecer e constitui o período "rudimentar" da escrita. Ainda precisamos desvendar mais sobre sua origem, e isso será feito através das descobertas arqueológicas. Em Anyang, já descobrimos ruínas da dinastia Shang de mais de três mil anos e cerca de 4.500 caracteres de Jiaguwen. Esses caracteres não são os mais primitivos, porque ali a escrita Jiaguwen já se provara bastante rica e madura. Não sou especialista em caracteres, mas calculo que na dinastia Xia (fins do século 22 a inícios do século 17 a. C), já deveria haver caracteres, que foram evoluindo e até tornaram-se maduros, durante a dinastia Shang. Não podemos imaginar que os caracteres apareceram de repente neste período, já desenvolvidos. Então penso: será que alguns caracteres Jiaguwen já podiam ser encontrados na escrita da dinastia Xia? É apenas minha suposição. Aguardamos novos resultados dos estudos dos especialistas em caracteres antigos.
Arte: Desde a fase inicial, os caracteres sempre serviram como registros do progresso da sociedade. As documentações no Museu, incluindo as inscrições em ossos animais e carapaças de tartaruga, depois em bronze, lâminas de bambu e panos de seda, exibem o importante papel desempenhado pela escrita neste processo.
Feng: Os caracteres Jiaguwen já apresentavam estruturas complexas, o que prova serem resultado de um longo período de desenvolvimento. A escrita Jinwen, que aparece nos caracteres em bronze, surgiu na dinastia Shang e atingiu seu apogeu durante a dinastia Zhou do Oeste (século 11 – 771 a. C), quando que os caracteres viraram Dazhuan – uma forma embrionária dos caracteres quadrados. Foi com Dazhuan que os caracteres chineses atingiram seu apogeu em termos de complexidade, o que provou que o pensamento lógico dos seres humanos tornou-se cada vez mais sofisticado. Por isso, acho que os caracteres complexos demonstram o processo de evolução da capacidade e da maneira de pensar de nossos ancestrais, passando por um percurso de "traços simples – traços complexos – traços simples", isto é, de Jiaguwen – Dazhuan – Xiaozhuan, seguidos da popularização dos traços simples, chamada de Lishu e, depois, Kaishu – os caracteres simplificados conhecidos hoje.
Arte: Como o senhor avalia o papel dos caracteres simplificados no desenvolvimento da escrita chinesa?
Feng: Sabe-se que os caracteres simplificados já existiam na antiguidade. Naturalmente, aqueles a que você se refere são os caracteres simplificados modernos. Estes têm certa desconexão dos caracteres tradicionais e se caracterizam por sua tendência de evolução para uma escrita latinizada, semelhante à do Ocidente, dando maior atenção à pronúncia. A latinização dos caracteres chineses significa o abandono dos ideogramas. É necessário pensar bem sobre a viabilidade de tal processo e suas consequências. Para mim, a simplificação dos caracteres e a latinização deles envolvem duas questões: aquela já aconteceu na história, e esta implica uma mudança radical dos caracteres e a relação que isto terá com a cultura e a história chinesa. É preciso ser muito prudente. Os caracteres chineses servem como um meio de veicular a história e a cultura milenar da nação e constituem, assim, um elo espiritual. Há mais de cinco mil anos, esse elo, apesar de vir passando por mudanças, existe, e ele prolonga-se até os dias de hoje. Os caracteres registram todo o processo de evolução cultural; sem eles, não saberíamos nada, e a história seria um vácuo para nós. Esta é a importância da escrita, dos caracteres e a importância do Museu.
Arte: O Museu tem uma sala dedicada à escrita étnica, expondo exemplos da etnia tibetana, mongol e uigur, entre outras. Ali também são exibidos os registros históricos dos idiomas étnicos que foram utilizados, ainda que por pouco tempo. Por que abrir uma seção com esta?
Feng: Para o Museu, todos os exemplos de escrita de todas as etnias têm o mesmo valor histórico. As escritas primitivas de muitas etnias já se perderam, e nossa tarefa primordial é protegê-las, incluindo as formas de escrita que se usavam no passado e que hoje não se entendem, ou que caíram em desuso, além das escritas recém descobertas. Temos um grande número de eruditos que entendem os caracteres Jiaguwen e Jinwen, ou conhecem as escritas antigas utilizadas na região do Oeste. Essas escritas criam condições para as pesquisas sobre a história e a cultura da antiguidade e, por isso, merecem atenção especial e proteção redobrada.