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Empinar pipa é coisa séria - Richard Amante
  2010-06-13 15:20:35  cri

Eu estava indeciso. Não sabia se comprava a águia, o dragão, a borboleta, o barco ou a asa delta. Eu já estava na loja de pandorgas – pipas, papagaios – há quase uma hora, analisando cuidadosamente aqueles modelos, e não conseguia me decidir. Quando criança, eu sempre fiz as minhas próprias pipas, com pedaços de bambu, jornal e linha de pesca. Às vezes fazíamos combates em tínhamos que derrubar a pipa do outro. Criar a própria pandorga era tão ou mais empolgante que empiná-la. Eu sempre tentava fazer um modelo diferente, maior, mais aerodinâmico, mais bonito ou mais colorido. Mas as minhas habilidades manuais nunca foram tão avançadas, e eu acabava voltando ao modelo básico. Em algum momento da vida, entre a infância e adolescência, decidi que eu já estava ficando adulto e passei a dar mais valor a outros tipos de divertimento. O papagaio, amigo de tantas ventanias, ficou de lado, jogado em algum canto da memória. Para a gente, empinar pipa sempre foi – e ainda é – coisa de criança.

Comprei a águia. Parecia um pouco frágil, mas eu não pretendia passar muito tempo com ela no ar. Coloquei a caixa na mochila, junto com um rolo de barbante branco, e fui para o Parque Chaoyang. A quantidade de pessoas que empina pipas ali nos dias de sol é incrível. Eu já tentei contar quantas havia num dia de verão, mas desisti. E o que mais me impressiona não é quantidade, e sim a idade das pessoas que se divertem com esse tipo de brincadeira, quase todos acima dos 50 anos de idade.

Entrei pela porta sul do parque, cruzei um enorme gramado usado para piqueniques e parei no topo do que parecia ser uma arquibancada ao redor de uma pista de patinação. O local parecia perfeito. Eu caminhava por ali quase todos os dias e sempre via pessoas empinando pipa. Larguei a mochila no chão e comecei a preparar o equipamento. Tirei a águia da caixa, coloquei as asas no lugar, amarrei o barbante no local indicado e verifiquei mais uma vez os encaixes. Antes de começar a brincadeira, sentei-me à sombra de uma árvore e fiquei observando o vai-e-vem de adultos e crianças, com seus papagaios coloridos.

- Você fala chinês? – perguntou um senhor que se aproximava devagar. Calculei que devia ter mais de 70 anos. Vestia uma regata branca, uma calça escura e uma sapatilha preta. Na cabeça, o mesmo boné azul escuro eternizado por Mao no início do comunismo.

- Falo um pouco – respondi. E levantei-me em sinal de respeito.

- Você não vai brincar com a sua pipa? – perguntou, apontando para a águia largada sobre a grama, ao lado da mochila.

- Vou sim, mas primeiro quero ver como os chineses fazem.

- De onde você é?

- Do Brasil.

- Brasil! Muito bom. Futebol, churrasco – falou rindo. – Lá não tem pipa?

- Tem sim. Mas faz tempo que eu não empino. No Brasil a gente solta pipa quando é criança.

Ele sentou num banco de cimento a dois metros de mim e começou a falar sobre pipas e sobre as pessoas que estavam ali. Dono de uma fala mansa, parecia escolher as palavras com cuidado para que eu pudesse compreender. Quando eu não entendia algo, ele repetia com outras palavras e fazia mímicas. Devia estar acostumado a conversar com estrangeiros.

Pelo que me explicou, a pipa foi inventada na China há mais de dois mil anos e, por muito tempo, foi usada apenas para fins militares. A cor dos papagaios e os movimentos que esses objetos desenhavam no ar tinham um significado. Ele não soube dizer quais eram esses significados. "Não importa. Hoje a gente usa pra diversão", completou.

Frequentador assíduo do parque, conhecia quase todas as pessoas que estavam ali naquela tarde. Todos os dias, tomava dois ônibus para poder passar algumas horas no meio de velhos amigos. Trazia sempre consigo uma mochila cheia de apetrechos. "Tenho uma pipa para cada tipo de vento. O equipamento também é diferente", explicou. "Se o vento está forte, uso uma pipa maior e também uso linha mais comprida. Quanto mais no alto estiver, mais bonita fica."

- O vento hoje está bom? – eu quis saber.

- Está muito bom, sim – respondeu, levantando. – Nessa época é sempre bom pra gente.

Eu também levantei, peguei minha águia e minha mochila, e fui caminhando ao lado dele. Queria saber mais. Sempre achei interessante ver um monte de idosos soltando pipas, compenetrados, vendo quem solta mais alto, quem tem a mais colorida, que tem a maior, qual chama mais atenção. Às vezes eu via algumas crianças soltando pipas pelos parques, com os pais do lado. Mas os idosos dominavam a atividade.

- Meu pai me ensinou a fazer e empinar pipas, – continuou – e eu ensinei meu filho. Mas isso é coisa de homem. Meu filho teve uma filha, e não ensinou para ela.

Larguei a mochila no chão e soltei a minha águia ao vento. Ela foi subindo, devagarinho, agitada e desajeitada. Mas não subiu muito, não. "Soltar pipa ajuda a manter a coluna sempre reta", disse o senhor, e deu um leve tapa nas minhas costas. O rolo de barbante não era muito comprido, mas foi o suficiente para que eu experimentasse a sensação de soltar uma pandorga chinesa.

Ao meu lado, o velho sorria e montava uma pipa colorida em forma de asa delta, com três metros de largura. Mais sofisticado e experiente que eu, não usava carretel de linha. O barbante estava enrolado em uma grande polia que era acionada por uma manivela, como se fosse uma grande carretilha de pesca. E o conjunto era amarrado à cintura por uma tira de couro. "Assim eu faço menos força."

O sol começava a desaparecer no horizonte acinzentado de Beijing, e as pessoas passaram a recolher suas pipas. Para uns, era hora de ir pra casa. Para outros, hora de preparar a pipa noturna. Isso mesmo, pipa noturna, cheia de luzes nas asas e no barbante. Em qualquer parte da cidade, nas quentes noites de verão em que o vento se apresenta, podemos ver as luzes que cortam os céus numa dança colorida.

Na volta para casa, com a águia devidamente encaixotada, pensei em todos os lugares onde já vi idosos empinando papagaio. "Nunca vi alguém fazendo isso na rua, no meio dos fios de alta tensão. Apenas em parques", pensei com meus botões.

Naquela mesma noite, da janela do meu quarto, eu podia ver os papagaios que ainda se mantinham no ar. "Amanhã volto lá, para mais uma conversa", pensei.

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