O "bom magistrado" é uma figura familiar na literatura e folclore chinês. As histórias dalguns dos bons magistrados têm vivido através dos séculos, porque contadas e recontadas pelo povo, e também porque os historiadores da escola de Confúcio gostaram sempre de os apresentar como exemplos a seguir.
Dong Xuan, que viveu no primeiro século da nossa era, foi um desses bons magistrados. Na sua época, a dinastia Han do Este (25-220), existia um grande número de poderosas famíliasaristocráticas. Eram tiranos a que os oficiais do governo não se opunham. Uma dessas famílias, os Gongsun Dan, moravam num lugar chamado Beihai (na atual província de Shandong). Certa vez um advinho disse-lhes que, ao construir-se uma nova casa, devia ser morta uma pessoa e oferecida como tributo aos espíritos nocivos, em sacrifício, para evitar que estes, futuramente, provocassem distúrbios na nova morada. O chefe da família ordenou ao seu filho que matasse um transeunte. A ordem foi cumprida e o cadáver foi enterrado nos aliceres da casa.
O ocorrido chegou aos ouvidos de Dong Xuan, oficial da localidade, que mandou capturar e decapitar Gongsun Dan e o seu filho. Naturalmente, a família em questão não viu a decisão do magistrado com bons olhos, e enviou um grupo de homens cercar a sede do escritório de Dong Xuan. Instruídos pelos Dan, estes não paravam de gritar que se corrigisse a "injustiça" da sentença. Dong prendeu-os e mandou executá-los.
O superior de Dong Xuan julgou que o magistrado tinha ido demasiado longe. Sem querer ofender as grandes famílias, deu ordem de prisão contra Dong Xuan. Ali, e sabendo que a sua ação fora adequada, Dong, calmamente, lia e recitava poemas para si próprio, e mesmo a sentença de morte levada contra ele não o incomodou, quando lha comunicaram. Felizmente, o imperador Guang Wu (25-57) soube do caso e interviu a tempo de salvar a vida de Dong Xuan. O imperador declarou, porém, que Dong Xuan devia reconhecer os erros cometidos. Este recusou-se a fazê-lo. Em vez disso levantou-se e contou toda a história. O imperador acabou por compreender que Dong era, na realidade, um oficial de valor e pô-lo em liberdade.
Pouco depois, Dong foi nomeado magistrado de Luoyang, a capital. Tendo sido salvo pelo imperador, manteria ele a sua conduta imparcial e incorruptível? O seu comportamento ulterior demontrou que sim. ouviu dizer que um servidor da irmã mais velha do imperador, a princesa Hu Yang, tinha assassinado, em plena luz do dia, uma pessoa, mas não tinha sido devidamente castigado. Ordenou ao seu pessoal que estudasse os movimentos do criminoso e o capturasse quando a oportunidade se apresentasse. Um dia, o assassino foi visto, na rua, com a princesa Hu Yang. Pensava, sem dúvida, que, enquanto ao lado dela, estava seguro.
Dong Xuan tinha já previsto isso e aguardava-o, com os seus homens. Quando a carruagem da princesa se aproximou, Dong Xuan avançou alguns passos e deteve-a. Enumerou os detalhes do crime e mencionou o fato de que o mordomo era um verdadeiro assassino sob a proteção da princesa. Censurou-a por ter tolerado e protegido incorretamente o seu servidor, e depois, fez executar ali mesmo o assassino.
A princesa regressou ao palácio, banhada em lágrimas, e informou o irmão, o imperador, de que fora publicamente humilhada. Em cólera, o imperador mandou chicotear Dong Xuan até à morte.
Perante a presença imperial, Dong Xuan disse: "Antes de me executar, permita-me esclarecer o ocorrido! Sempre colocasteis a moral acima de tudo. mas, por ora, pretendeis esconder uma incorreção de um servidor. Como podeis governar um povo, se atuais desta maneira?!"
"Se o meu imperador é injusto", prosseguiu Dong Xuan, "de nada me serve continuar a viver!" ditas estas palavras, começou a bater com a cabeça nas escadas, até sangrar.
O imperador Guang Wu, comovido pelo espírito de Dong Xuan, decidiu, então, não o punir. Mas para salvar a face da irmã, exigiu a Dong que lhe pedisse desculpas. Dong ajoelhou, mas recusou-se a fazer "Ketou", tocar o chão com a cabeça. Mesmo quando um eunuco da corte tentou força-lo a fazê-lo, Dong Xuan manteve-se na sua posição.
A princesa enfureceu-se. "Antes de ter subido ao trono imperial, você protegia assassinos e combatia os oficiais", disse ela ao irmão, "porque não o faz agora? Terá porventura medo deste insignificante oficial?"
O imperador desatou a rir! "Certamente, que o fazia, anteiormente. Mas agora sou imperador. Um imperador deve saber da lei mais do que ninguém." Libertou outra vez Dong Xuan, e recompensou-o com trezentos mil moedas pela sua honestidade e retidão. Dong Xuan distribuiu-as entre os seus subalternos.
Depois disso, os aristocratas de Luoyang não ousavam mais conduzir-se indevidamente, pois sabiam que Dong Xuan não lhes perdoaria. Dong Xuan viveu até aos setenta e quatro anos e morreu no seu cargo oficial. Após a sua morte, os seus bens e a sua casa foram examinados e nada se descobriu de valor. Encontrou-se apenas uma velha carroça e alguns quilos de cavada. Nunca procurava enriquecer, enquanto os outros oficiais o faziam. De fato, nunca soubemos verdadeiramente quão honesto era até à sua morte", comentou o imperador. Através dos tempos, a história de Dong Xuan tornou-se tema de muitas óperas locais.
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