Depois de se autoproclamar imperador Wen do reino de Wei, Cao Pi ordenou ao seu irmão mais novo, Cao zhi, a quem olhava como rival pela posse do trono, que escrevesse um poema no tempo necessário para se darem sete passos. Se Zhi não fosse capaz de o fazer, ser-lhe-ia cortada a cabeça.
Entre os membros da família Cao jogavam-se amíude jogos literários. Estavam-se no período dos Três Reinos (220-265). Cao Cao, o pai, um senhor da guerra que viu crescer o seu poder enquanto a dinastia Han do Leste se desintegrava entre revoltas de camponeses, fez do último imperador desta mesma dinastia seu fantoche. Depois da morte de Cao Cao em 220, o seu filho Cao Pi forçou o imperador Han a abdicar e tomou para si o título de imperador de Wei, o mais ao norte dos três reinos. Cao Cao, na literatura da dinastia Han, aparece como um oficial pouco honesto e impiedoso, caraterização que nem sempre lhe assenta com rigor histórico. Mas é sob este aspeto que ele aparece na novela do século XIV, Romance dos Três Reinos, que reúne muitos contos desta época. Mas o que quer que Cao Cao fosse, decerto era um grande poeta e literado, e os seus filhos seguiram-lhe a veia. O antagonismo entre os irmãos deixou para a posteridade alguns poemas bem conhecidos e proporcionou motivos para o cenário de uma pintura extremamente famosa.
A raiz do problema estava no quem deveria tomar a posse do trono. O extremamente inteligente Cao Zhi tinha sido o favorito do pai. Começara a escrever poemas e ensaios quando ainda na sua adolescência e podia recitar de memória obras de várias centenas de milhar de carateres de famosos literados. Quando certa vez o seu pai leu um dos seus ensaios, particularmente bem escrito, perguntou-se se realmente fora o filho que na realidade o escrevera. Cao Zhi, severo, replicou:"A minha argumentação é bem fundamentada. Porque haveria eu de pedir a alguém que escrevesse por mim? Porque não me põe à prova? Mas o pai não estava ainda convencido do talento do filho.
Não muito tempo depois, um magnífico terraço foi construído e Cao Cao levou os seus filhos ao local para que dali desfrutassem a vista e escrevessem um fu (uma peça literária em prosa, descritiva, entrecortada por versos). Cao Zhi, que então contava dezoito anos apenas, cumpriu a tarefa no local. Cao Cao, espantado com a sua imaginação e fluência de discurso, convenceu-se finalmente do talento do filho. Começou então a encarregá-lo de tarefas políticas. Em 215, antes de deixar a cidade numa expedição guerreira, deixou Cao Zhi encarregue dela. "Eu tinha 23 anos quando comecei a minha escalada para o poder", disse, "Você tem agora essa idade, deve pois começar a traçar-se grandes objetivos. Isto poderia ser uma indicação de que Cao Cao esperava que fosse Cao Zhi a ocupar o poder quando ele morresse.
Ao que tudo leva a crer, Cao Cao terá pensado longamente o problema do qual dos dois filhos deixar o trono do reino que estava a construir. Uma história no trabalho de ficção Novas Anedotas das Conversas Sociais, publicada no século V, conta que certa vez, Cao Cao ordenara aos dois filhos que deixassem a cidade, cada através dum portão diferente. Simultaneamente, deu ordens de que ninguém deveria ser autorizado a deixar a cidade. Pensava assim descobrir qual dos dois filhos era o mais esperto.
Cao Pi, depois de o terem feito parar quando ia cruzar a porta da cidade, regressou a casa. Cao Zhi, avisado por Yang Xiu, um seu servidor, matou o guarda que o impedia de passar e saiu da cidade. Não era nada disto que Cao Cao pretendia. Completamente fora de si, mandou decapitar Yang Xiu. O incidente ficou registado por Cao Cao, como desfavorável em relação ao seu filho favorito, Cao Zhi.
A situação agravou-se devido a um novo incidente, que teve lugar em 219, ano anterior ao da morte de Cao Cao. Pretendendo enviar Cao Zhi em ajuda dum general de Wei, que estava cercado por tropas do reino de Shu, resultou que Cao Zhi, embriagado, não respondeu imediatamente ao apelo e a estratégia militar delineada fracassou. Mais desagradado ficou o pai! Conta-se que Cao Pi, conhecedor das intenções do pai e para desacreditar o irmão, o embriagou intencionalmente. Cao Pi conseguiu assim colocar-se numa posição dominante na cena política que punha em confronto os dois irmãos. Depois da morte do pai, mal se proclamou imperador, Cao Pi fez executar todos os aderentes de Cao zhi. É nesta altura que o incidente do poema dos sete passos tem lugar. Cao Pi não esperava que Cao Zhi fosse realmente capaz de produzir um poema segundo as condições que lhe impunha. No entanto, Cao Zhi compôs este poema em menos tempo do que o necessário para dar sete passos:
Para cozinhar feijões, querimamos pés de feijão;
No caldeirão, os feijões queixam-se
Nascemos ambos da mesma raiz,
Porque me faz ferver tão impiedosamente o teu fogo?
Não se sabe se foram estas linhas que comoveram Cao Pi, mas a verdade é que ele abandonou a ideia de mandar executar o irmão. Quando Cao Pi se manteve no seu lugar de imperador de Wei, e se tornou patrono das letras (Cao Pi é considerado como o autor da primeira peça de crítica literária da história da literatura da China). Cao Zhi viu-se confinado consecutivamente a viver de feudo em feudo, afastado do centro do império e da vida política e veio a morrer aos quarenta anos, desapontado e desiludido, mas não sem ter deixado atrás de si alguns poemas de grande valor. Este poema dos feijões, é ainda hoje do agrado das gentes e frequentemente recitado.
Há ainda outra história da rivalidade entre os dois irmãos, que merece ser contada, pois que inspirou uma pintura famosa. Quando Cao Cao derrotou Yuan Shao, outro senhor da guerra, capturou a sua nora, uma beleza de renome, chamada Zhen. Cao Pi e Cao Zhi queriam ambos a sua mão de casamento. O pai decidiu oferecê-la em casamento a Cao Pi que a fez sua imperadora. Cao Zhi, de coração despedaçado, não conseguia comer nem dormir e mais não fazia do que pensar nela. Certa vez, Cao Pi mostrou a Cao Zhi um travesseiro em outro e jade, que Zhen usava, apenas para aumentar o seu desvario. Zhen no entanto não viveu muito mais tempo. Depois da sua morte, Cao Pi enviou a Cao Zhi o travesseiro que antes lhe mostrara; insulto e injúria, pretensamente recordação. Quando um dia Cao Zhi adormeceu, quando descansava na margem do rio Luohe, sonhou que Zhen lhe aparecera, lhe falara e expressara o seu sentimento por ele.
Quando despertou, escreveu um fu que intitulou "Relembrando Zhen com profunda emoção". Mais tarde, Cao Rui, filho de Cao Pi que lhes sucedeu como imperador, não apreciando o fato do nome da mãe aparecer como título do poema, modificou-o para "A deusa do rio Luohe". Esta história tornou-se tema para escritores e pintores. Mais de um século mais tarde, o famoso pintor Gu Kaizhi (345-406), criou um rolo tendo por tema o verso. Chegou-nos da obra uma cópia executada séculos mais tarde que mostra uma mulher muito bela, aparecendo frente ao poeta, mas pintada de tal maneira que, ainda que claramente visível, se diria fora do alcance de quem a observa.
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