Um dos maiores tiranos na história chinesa foi Jie, o último rei da dinastia Xia, fundada há aproximadamente 4000 anos atrás (2100-1600 a. C) por Yu, o Grande na planície central da região que é hoje a província do Henan. Todos os relatos que se transmitiram oralmente durante a dinastia Shang (séculos XIV a XI a. C) -- cujos governantes consideraram indubitavelmente que lhes eram úteis para justificar a sua conquista de Xia -- foram trasladados à forma escrita muito tempo depois. Mais tarde, foram recolhidas e compiladas várias versões. O relato mais completo é proporcionado pelo famoso historiador Sima Qian (135-?). De acordo com uma das teorias de Confúcio, Sima Qian destacava que a caída de qualquer dinastia se devia à imoralidade do seu governante. Não obstante, o padrão de comportamento de Jie demonstrou tantas vezes, antes e depois dele, que a história de seus crimes e destinos parece ter suficiente credibilidade.
As histórias que se multiplicaram em torno da figura de Jie descrevem-no como um indivíduo sumamente inteligente e de uma constituição física avantajada, capaz de dominar as bestas selvagens e de endireitar à mão nua ganchos de ferro. Valendo-se do seu poderio, realizou contínuas incursões contra os estados vizinhos, saqueando-os. Diz-se que no Estado de Youshi (na região que é hoje a Parte meridional da província do Shandong), a leste de Xia, havia uma moça chamada Mei Xi, muito famosa pela sua beleza. Foi precisamente por este motivo que Jie invadiu Youshi e obrigou a moça a entregar-se-lhe. Logo a seguir, desencadeou uma expedição contra o Estado de Minshan, localizado a oeste (actualmente a parte norte da província de Sichuan), e conseguiu que lhe entregassem um enorme tributo em ouro e pedras preciosas, além de duas belas donzelas, Wan e Yan. Conquistou também o Estado de Min (sudoeste do Shandong) e converteu em escravos todos os habitantes deste estado.
Jie mandou construir palácios luxuosíssimos e sítios para seu divertimento. Um destes palácios era tão alto que parecia prestes a ruir, e por esse motivo foi designado Qinggong (Palácio Cambaleante). Os relatos históricos posteriores descrevem esta construção como um lugar extraordinariamente magnífico, com corredores cobertos de marfim, camas de jade branco e janelas decoradas com tapetes em todas suas incontáveis alcovas. Para embelezá-lo aindo mais, Jie ordenou a seus vassalos que lhe enviassem tesouros exóticos e oferecessem mulheres mais formosas, e assim conseguiu, por exemplo, 3000 bailarinas. O livro Biografias de mulheres famosas, redigido por Liu Xiang no século primeiro antes da nossa era, relata que Jie tinha no seu jardim real um tanque tão grande onde cabiam vários botes, e que estava cheio de vinho. Ordenava que pendurassem grandes pedaços de carne cozida nas árvores das colinas da vizinhança e ali passava seus dias, em pândegas, com suas beldades.
Entregue de corpo e alma a diversões, Jie não se preocupava com os assuntos estatais. Certa vez, passou mais de cem dias encerrado em seu palácio sem se avistar com os ministros, que ficaram zangados, e um deles increpou-o, dizendo: "Os reis e os imperadores desde a antiguidade têm governado bem com o apoio do seu povo. Seguramente, vossos luxos e extravagâncias provocarão a ruína do país". Jie riu e respondeu: "Tudo o que há sob o céu me pertence. Sou como o sol no céu. Acaso se extinguirá o sol?" Ditas estas palavras, continuou a se entreter.
Outro ministro, de nome Guan Longfeng, farto dos abusos do seu monarca, foi visitá-lo alguns dias mais tarde, levando-lhe um retrato de Yu, o fundador da dinastia, que dominou as águas que estavam devastando a Terra. O ministro disse a Jie que deveria recordar-se das dificuldades que os seus antepassados tinham encontrado ao estabelecerem a dinastia, e que o país se encontrava à beira da ruína. Jie ficou em cólera e ordenou que o retrato de Guan fosse atirado ao fogo. Como o ministro insistiu em suas crírica, Jie mandou decapitá-lo.
Após aquele acontecimento, Jie mostrou-se ainda mais arrogante e arbitrário. Quando estava irritado, mandava castigar implacavelmente inocentes, cortando-lhes nariz e pés, tudo isto para ostentar a sua autoridade absoluta. A população de Xia odiava-o muito. Como ele próprio se tinha comparado com o sol, todos apontaram com o dedo para o astro, dizendo: "Quando perecerás? Que seja o mais rápido possível, mesmo que morramos juntos!"
Nessa altura surgiu um poderoso estado, o de Shang. O seu governador Tang, que foi descrito como um homem justo, conseguiu unir várias tribos. A dissipação de Jie fez com que Xia se tornasse o alvo principal a ser conquistado.
Em Wutiao, ao norte da actual Kaifeng (província do Henan), ocorreu uma formidável batalha entre as tropas de Xia e Shang. Jie continuou sendo arrogante e autocrático até ao momento da sua rendição. Convencido de que era imbatível, não tomou a sério a batalha iminente, chegando até a levar várias das suas beldades para a frente de batalha. Em vésperas da batalha, disse às suas concubinas: "Será mais divertido observar esta batalha do que uma caça. Venham comigo. Nunca fui derrotado".
Mas as coisas sucederam ao contrário do que ele esperava. Quando apenas se iniciou o combate, desatou-se uma forte tormenta e as forças de Xia, que não estavam adequadamente preparadas, entraram em pânico. As forças de Shang, por sua parte, lutaram com coragem. Jie, que observava o combate desde o topo duma montanha, deu-se conta de que estava a perder a batalha e ordenou a retirada. Porém, o exército de Tang perseguiu as tropas de Xia até à sua capital. Jie foi aprisionado e condenado ao exílio numa terra muito distante.
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