Politizar o novo coronavírus é atuar em favor da morte e da instabilidade do mundo, diz Evandro Carvalho
Evandro Menezes de Carvalho, professor de direito internacional e coordenador do Centro de Estudos Brasil-China da Fundação Getúlio Vargas, deu uma entrevista escrita para o departamento de português do Grupo de Mídia da China (CMG, sigla em inglês) em relação ao combate e politização do novo coronavírus. Segue a entrevista integral.
CMG: Como você vê a colaboração da China no combate ao COVID-19?
Evandro: A China tem feito um esforço fora do comum para ajudar os mais de 100 países que estão enfrentando agora o impacto da propagação do vírus em seus respectivos territórios. É uma atitude de solidariedade que também se insere no contexto do compromisso diplomático da China em defender o multilateralismo e de se apresentar para o mundo como um país responsável e cooperativo em suas relações internacionais. Além disso, é uma demonstração concreta do conceito de comunidade de destino comum para a humanidade proposto pelo presidente Xi Jinping. Por fim, a atitude colaborativa da China é também uma forma de responder a uma campanha anti-China iniciada pelos Estados Unidos, que fizeram um uso político da pandemia com o intuito de prejudicar a imagem da China no mundo.
CMG: Qual é o seu parecer sobre o enfrentamento da crise nos EUA e o unilateralismo sustentado pelo líder estadunidense?
Evandro: A crise de saúde pública nos EUA tem evidenciado que o modelo estadunidense de assistência médica não estava preparado para situações de emergência como esta. Quando se estrutura a saúde como um serviço que só tem acesso aqueles que tem recursos para pagar, tem-se uma política desumana que contraria o princípio da dignidade da pessoa humana. Então, a pandemia impõe uma reorientação deste modelo de governança, onde o Estado se exime de certas responsabilidades no cuidado com a saúde de sua população. Além disto, há uma dimensão cultural que também explica a demora com que o governo dos EUA e a população estadunidense responderam à pandemia. Em um país onde a cultura da individualidade é mais forte do que a da coletividade, fica difícil fomentar a responsabilidade social de cada um de observar o isolamento para a proteção não somente de si, mas de todos. Por fim, gestos falam mais do que palavras. Se observarmos bem, praticamente todos os líderes ocidentais quando dão entrevistas e se expõem publicamente não estão usando máscaras. Este fato, por si só, já transmite uma mensagem que não converge com o discurso de que todos devem usar máscaras. A não convergência entre a palavra e a ação do governante faz com que a população demore a perceber a gravidade da situação.
Quanto ao unilateralismo dos EUA, em linha com a política do “America First”, tem mostrado para o mundo que o governo Trump está deliberadamente fazendo o seu país abrir mão de ser visto como uma liderança que apoia o multilateralismo, as organizações internacionais e, por consequência, um mundo mais pacífico e estável. A decisão de não financiar a Organização Mundial da Saúde, de desviar equipamentos médicos que iriam para a Alemanha, França e para o Brasil, dentre outras medidas e gestos, denotam isto. E quanto mais os EUA abrem mão de suas responsabilidades internacionais, mais perdem credibilidade no exercício de sua liderança. E o modo como o governo Trump tenta reverter esta perda de credibilidade é acusar a China de ser a causadora da pandemia e de outras crises. Enquanto os EUA não perceberem os próprios erros cometidos, mais tempo levarão para retomar a via da liderança benigna.
CMG: Como avalia a politização do novo coronavírus?
Evandro: A politização do novo coronavírus é totalmente impertinente. No atual estágio da pandemia, os países deveriam suspender as disputas políticas por um tempo e cooperar uns com os outros para eliminar a ameaça do vírus. É uma questão humanitária. O inimigo é comum a todos. Politizar o novo coronavírus é atuar em favor da morte e da instabilidade do mundo. É moralmente reprovável e potencialmente ilegal. Neste momento da crise, todos os embargos econômicos deveriam ser suspensos e não deveríamos olhar uns aos outros por meio do binômio nacional-estrangeiro, mas pelo simples fato de serem humanos e terem que ter suas vidas salvas. Um país que atua egoisticamente neste momento é um país que não está à altura de se dizer membro das Nações Unidas.
CMG: E quanto a exigência de indenização da China proposta por alguns países ocidentais?
Evandro: Este é um tema que tenho me debruçado atentamente e estudado bastante, sobretudo por ser um estudioso do direito internacional que é minha área de atuação profissional. Estou elaborando um artigo sobre este assunto que será publicado brevemente. Mais adiante me pronunciarei sobre isto.