As crescentes relações China-América Latina e Caribe abrem espaço para uma maior integração e desenvolvimento na região
Por José Nelson Bessa Maia, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina
A América Latina e o Caribe (ALC) continuam a enfrentar desafios no pós-pandemia e tensões econômicas resultantes do complexo cenário internacional. Após uma queda de -7% em 2020, o crescimento da região se recuperou para 6,2% em 2021, de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Isso foi ligeiramente superior à taxa de crescimento global de 5,8%, porém mais lento do que a taxa de crescimento de 8,0% da China. Segundo o FMI, o PIB real na região deverá crescer apenas 3% em 2022, mas sem acompanhar as tendências pré-pandemia, pois a fraqueza nos mercados de trabalho aumenta os riscos de efeitos adversos prolongados.
No entanto, à medida que a ALC e a China continuam a se recuperar, seu relacionamento bilateral oferece oportunidades mutuamente vantajosas para o crescimento sustentável no comércio, investimento e nas finanças. A China de fato já tem um forte e crescente estoque de investimento direto e elevada presença comercial em commodities na ALC que são cruciais para a economia da região. A China respondeu em 2021 por um terço das exportações extrativas da região e um quinto de suas exportações agrícolas. As compras da ALC de vacinas contra Covid-19 da China cresceram para mais de 1,5 bilhão de doses, ou 29% do total de contratos da ALC.
Ademais, os investimentos chineses na ALC sob a forma de fusões e aquisições totalizaram US$ 5,9 bilhões em 2021, impulsionados pelo interesse contínuo da China no setor de energia da região. Nos últimos cinco anos, mais de 70% das fusões e aquisições chinesas ocorreram no setor de eletricidade, em comparação com apenas 7% das transações não-chinesas que têm a maior concentração na indústria extrativa.
De resto, cada vez mais países latino-americanos e caribenhos aderem à iniciativa chinesa do Cinturão e Rota, a exemplo da Nicarágua, que estabeleceu relações diplomáticas com a China, e da Argentina. No ano passado, três países da ALC aderiram ao Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) liderado pela China: Argentina, Chile e Peru. Em 2022 e 2023, é provável que surjam pacotes de investimento e financiamento para esses novos membros do Cinturão e Rota e do AIIB. A Argentina e a China, por exemplo, já assinaram um Memorando de US$ 23 bilhões em financiamentos.
Além de seu crescente relacionamento bilateral com países da região, o governo chinês se esforça para articular e coordenar sua política de relações econômicas com os países da América Latina e Caribe por meio de um diálogo de alto nível com a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), organização criada em 2011, com 33 países membros (excluindo Canadá e EUA), que representa os interesses de um conjunto amplo e variado de atores soberanos. A cada ano, o país que ocupa a presidência rotativa da Celac promove conversações multilaterais entre os líderes dos países membros com o governo da China. As cúpulas dos chefes de estado e governo convocam líderes para definir a agenda e os objetivos do grupo para o próximo ano.
Na Reunião de Ministros do Fórum China–Celac, ocorrida em 03/12/2021, a China e os demais parceiros da comunidade acordaram em adotar um Plano de Ação Conjunta para Cooperação em Áreas-Chave (2022-2024) por meio de consultas amistosas e em pé de igualdade, em áreas estratégicas como cooperação política e de segurança, cooperação econômica pragmática; cooperação em infraestrutura de alta qualidade; cooperação em questões sociais, culturais e pessoais; desenvolvimento sustentável e assuntos internacionais e cooperação sub-regional e inter-regional.
Trata-se de uma relação bem distinta da que a ALC mantém tradicionalmente com os EUA que, sob o pretexto de “promover a democracia ou os direitos humanos na região” acabam sempre impondo suas condições na defesa de seus interesses em detrimento dos interesses comuns da região. No atual contexto, portanto, o fórum China-Celac assume a liderança nos processos de integração regional, como a única maneira de enfrentar os desafios globais pós-pandemia".
O desafio que o engajamento da China enfrenta agora na América Latina está em estabelecer um esquema de cooperação capaz de desenhar uma agenda de desenvolvimento que inclua o comércio e a integração, conduza a ganhos de eficiência em toda a região e que possa realmente ajudar os países latino-americanos a aumentar o valor agregado de suas indústrias manufatureiras e a competitividade global no comércio exterior. A geografia na América Latina implica que a integração regional pró-crescimento só possa ser alcançada com uma rede de prosperidade na região.
Assim, no momento em que os EUA organizam a chamada 9ª “Cúpula das Américas”, de 6 a 9 de junho de 2022, a China está sem alarde a contribuir de forma decisiva para alavancar a agenda de integração econômica regional da América Latina e Caribe, buscando, sem interferir nos assuntos internos de cada país, otimizar benefícios recíprocos, articular comércio e infraestrutura e vincular os países vizinhos, superando, assim, as barreiras da relação antiquada e ineficaz mantida com os EUA desde o Pós-Segunda Guerra Mundial, considerado o fator responsável pela continuidade da desintegração ou fragmentação econômica na região e sua persistente desigualdade e pobreza.