Visão: Os 20 anos da China na OMC e seus efeitos na ordem econômica global

Fonte: CRI Published: 2021-12-10 15:17:02
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(*) José Nelson Bessa Maia

Em 1992, o então líder chinês Deng Xiaoping argumentou que não haveria contradição inerente entre socialismo e economia de mercado.[1] Essa premissa lançou as bases conceituais para aprofundar as reformas econômicas na China e preparar a sua adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC).

A China tornou-se oficialmente o 143º membro da OMC em 11 de dezembro de 2001, após 15 anos de negociações, completando uma etapa importante no seu processo de "reforma e abertura" iniciado em 1978. Além de reduzir as barreiras comerciais, a entrada da China na OMC também levou a importantes reformas na economia doméstica - dos mercados de fatores às empresas estatais (SOEs) - que foram feitas para desbloquear o potencial de crescimento do país.

Vinte anos depois, não há dúvidas de que a China se tornou uma superpotência econômica. Seu comércio exterior cresceu quase nove vezes nas últimas duas décadas, de USD 509,8 bilhões em 2001 para USD 4,6 trilhões em 2020. Suas exportações aumentaram 870% e as importações cresceram 740% de 2001 a 2020. De acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), a China respondia por 14,7% do comércio global em 2019.[2]

Em meados da década de 1990, os avanços na logística de transporte e nas tecnologias de informação e comunicação possibilitaram a fragmentação da produção no mundo, ou seja, em cadeias globais de valor (CGVs). Logo depois disso, as CGVs vasculharam o globo em busca de parceiros confiáveis de baixo custo que lhes permitissem expandir as operações. A adesão da China à OMC em 2001 permitiu que as CGVs explorassem de forma confiável o potencial do país como um grande produtor de bens manufaturados, permitindo-lhe expandir dramaticamente suas exportações para o resto do mundo. Em 2010, a China já era o indiscutível campeão mundial das exportações.[3]

Benefícios da entrada da China na OMC

A adesão chinesa à OMC em 2001 e sua entrada no sistema multilateral de comércio trouxe enormes benefícios para o país e para o mundo. O PIB da China era então o sexto maior do mundo. A adesão à OMC permitiu que a China entrasse em um período de forte crescimento econômico sustentado, levando o país a se tornar a segunda maior economia do mundo hoje – em termos de preços de mercado – e já é a primeira maior em paridade de poder de compra (PPP), ao mesmo tempo, que é uma das economias mais dinâmicas e resilientes a crises externas.[4]

A abertura da economia chinesa também tornou o país o segundo maior importador mundial. Conforme o Banco Mundial, em 1992, a tarifa média ponderada do comércio da China de 32,2% ultrapassava em muito a média global de 7,2%. Em 2002, essa taxa caiu para 7,7%. Desde então, as tarifas chinesas foram reduzidas ainda mais, em média para 4,8% entre 2003 e 2017, atingindo 2,5% em 2019.[5]

Portanto, desde que ingressou na OMC, a China fez enormes contribuições para o comércio, o investimento e as finanças mundiais. Além disso, seu aporte para o crescimento econômico global se aproximou em média de 28.1% entre 2013 e 2018. Ela também se tornou um importante parceiro comercial de mais de 120 países. A enorme força de trabalho da China permitiu a empresas e consumidores de todo o mundo desfrutar uma gama maior de produtos a preços mais acessíveis, desde confecções a computadores e outros itens de maior valor agregado.

Portanto, a participação da China na OMC mudou a estrutura do comércio multilateral, bem como a direção dos fluxos de trocas globais. Fez aumentar a presença dos países emergentes no cenário econômico internacional e beneficiar milhões de pessoas em todo o mundo, especialmente em países em desenvolvimento. Também foi extremamente benéfico para os países desenvolvidos, incluindo os EUA, que tem sido um de seus maiores beneficiários apesar de críticas descabidas relativas a alegada competição desleal.[6]

As mudanças internas na China

À medida que a China mudou a face do comércio mundial, este também mudou a China. De acordo com o Conselho de Estado da China, o governo central modificou mais de 2.300 leis e regulamentos nacionais para se adaptar aos compromissos da OMC, enquanto os governos subnacionais modificaram ou cancelaram 190.000 leis e regulamentos locais para dar transparência nas políticas e garantir a conformidade com as regras da OMC. A China também aumentou a proteção aos direitos de propriedade intelectual (PI), com a instalação de tribunais de PI em Pequim, Xangai e Guangzhou e órgãos especiais em 15 tribunais intermediários.[7]

Porém, mais mudanças estão por vir, uma vez que a China passa por uma transição econômica com o objetivo de abandonar manufaturas de baixo custo e subir ainda mais na escala do valor agregado, ao mesmo tempo em que tenta gerar mais crescimento impulsionado pelo consumo doméstico e menos pelo investimento público em infraestrutura e pelas exportações. Essa complexa transição tem sido complicada pelas reações protecionistas adversas de alguns parceiros comerciais e por interrupções nas cadeias produtivas globais trazidas pelos efeitos da crise da pandemia de Covid-19.

De todo modo, a maneira como a China administra sua transição trará profundas implicações nos padrões comerciais globais atuais e em seus impactos regionais. Uma área importante a ser observada é se a China conseguirá manter a flexibilidade no mercado de trabalho à medida que avança para a manufatura e serviços de mais alta tecnologia.

A adesão da China a novos blocos comerciais

No seu esforço de liberalizar o comércio global, a China tem buscado ativamente aderir a novos acordos comerciais, sendo agora membro da Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP), de 15 países-membros, que foi negociada ao longo de oito anos e está prevista para entrar em vigor em janeiro próximo. Em setembro de 2021 a China solicitou sua adesão como membro do Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica (CPTPP), o que exigirá um nível muito mais alto de liberalização do mercado do que a RCEP. Na 27ª Conferência Não oficial dos Líderes da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec), realizada em 20 de novembro de 2020, o presidente chinês, Xi Jinping, declarou que a China saúda a assinatura da RCEP e levará em consideração ativa sobre a participação da CPTPP.

De fato, a China já é hoje uma potência global e parceiro comercial e financeiro indispensável para o mundo. E, ao mesmo tempo, os EUA não têm mais poder para excluí-la da economia mundial, e por isso terão que conviver e competir com a China segundo as regras internacionais que utilizaram até hoje para impor sua própria hegemonia. Em última análise, a entrada da China na OMC sedimentou a reforma econômica interna, alavancou seu crescimento e bem estar social e tornou o país um parceiro fundamental e inescapável na reconfiguração da ordem econômica e política global.

(*) José Nelson Bessa Maia é mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina.

[1] Cf. 26 years on: Deng Xiaoping reaffirms China's commitment to reform. CGTN, 2018, disponível em: <https://news.cgtn.com/news/78497a4d79677a6333566d54/share_p.html>.

[2] Cf. Alessandro Nicita and Carlos Razo. China: The rise of a trade titan. Unctad, 27 April 2021, disponível em: <https://unctad.org/news/china-rise-trade-titan>.

[3] Cf. Alessandro Nicita and Carlos Razo. China: The rise of a trade titan. Unctad, ibidem.

[4] Cf. WTO Trade Policy Review: China – Concluding Remarks by the Chairperson. 22 October 2021 Disponível em: < https://www.wto.org/english/tratop_e/tpr_e/tp515_crc_e.htm>.

[5] Cf. Tariff rate, applied, weighted mean, all products (%) – The World Bank, disponível em: <Chinahttps://data.worldbank.org/indicator/TM.TAX.MRCH.WM.AR.ZS?locations=CN>.

[6] Cf. China’s WTO entry benefits U.S., global growth. Xinhuanet, 07/11/2021, disponível em: < file:///I:/Users/Gustavo/Documents/A%20Consultoria%20para%20Chineses/Artigos%20e%20Livros/China's%20WTO%20entry%20benefits%20U.S.,%20global%20growth.pdf>.

[7] Cf. China releases White Paper on China and the WTO, CGTN, June, 26, 2018, disponível em: < https://news.cgtn.com/news/3d3d414f7a4d444e78457a6333566d54/share_p.html>.

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