Visão: A China, no caminho da ecocivilização
A ideia difundida nos meios políticos dominantes no ocidente e generalizada por suas mídias, que monopolizam a comunicação e as redes sociais, de que a China é a principal responsável pelo aquecimento global e a crise ambiental, deve ser reavaliada à luz da história e da ciência. Ela ignora o progresso da política ambiental da RPCh e o processo histórico que conduziu à crise ambiental.
A evolução histórica revela que os gases com efeito estufa se acumulam na atmosfera desde há cento e cinquenta anos. Segundo a agência europeia do ambiente, a NEEA, sediada na Holanda e que funciona como a agência de referência da União Europeia, se todo o CO2 presente na atmosfera hoje fosse dividido entre os países responsáveis pelas suas emissões, os EUA seriam responsáveis por 27% do total, a União Europeia por 20%, enquanto à China caberiam 8%.
Em 1978, o governo chinês lançou um programa de reflorestamento, tendo como horizonte 2050, a grande muralha verde, destinada a conter o avanço do deserto e as inundações, mas também para funcionar como um sumidouro de carbono, que se estende de Xinjiang, a oeste, a Heilongjiang, a leste, atravessando 4.480 Km.
Em 1992, a China assinou a Convenção de Ramsar, que protege as zonas húmidas e chamou as Organizações Não governamentais de Ambiente (ONGA) a colaborar na sua proteção. Em 1993, a Assembleia Popular Nacional da China decidiu criar o seu Comité de Proteção Ambiental. A Agência Estatal de Proteção Ambiental impôs critérios de avaliação ambiental ao crescimento e ganhou força política para suspender projetos económicos de mais de cem mil milhões de renminbi em todo o país, nas áreas mais sensíveis das províncias de Guizhou, Hebei, Shanxi, Shandong... Os meios de comunicação social foram mobilizados e o papel das ONGA encorajado.
A Lei de Proteção da Vida Selvagem surgiu em 1988 e colocou a tónica na conservação dos habitats e na reprodução das espécies ameaçadas de extinção, proibindo o seu abate e captura e incentivando a criação de reservas naturais. Em 1995, foi criada a primeira lei de proteção ambiental dos rios para limpar o Rio Huai, o controlo ambiental institucionalizou-se e dezenas de fábricas poluidoras foram encerradas.
Do Socialismo Ecológico à Ecocivilização
A política chinesa evoluiu então para o caminho do “socialismo ecológico” e, dele, para a construção das zona-piloto da ecocivilização.
A filosofia da natureza e as suas éticas sempre constituíram uma parte importante da cultura tradicional chinesa, mas o PCCh, em cooperação com os oito partidos democráticos que com ele fundaram a RPCh, levou essa filosofia ao centro do poder político, como nunca antes acontecera, assumindo a sua evolução contemporânea para filosofia ambiental. O conceito de desenvolvimento científico, conceptualizado já em 2003, foi estabelecido como linha orientadora para o desenvolvimento económico e social da China no 17º Congresso Nacional do PCCh, em 2007. O presidente chinês Hu Jintao declarou então o objetivo de construir a Civilização Ecológica.
O conceito de "construção da civilização ecológica" foi depois desenvolvido e adicionado aos estatutos durante o 18º Congresso do PCCh em 2012, por iniciativa do presidente Xi Jinping. Tal significa, pela primeira vez na história, que a filosofia ambiental é doutrina de Estado. Os princípios ambientais e as suas éticas, ganharam o estatuto de lei do PCCh, vertidos nos Estatutos (Preâmbulo).
“O Partido Comunista da China lidera o povo na promoção do progresso ecológico socialista. Eleva a sua consciência ecológica da necessidade de respeitar, acomodar e proteger a natureza; segue a política básica do Estado de conservação dos recursos e proteção do ambiente…”
O presidente chinês, Xi Jinping, afirmou em várias ocasiões que nunca mais o país procuraria o crescimento económico à custa do ambiente. O seu discurso, na Conferência da ONU realizada de Paris sobre o Ambiente (2015), apresentou ao mundo essa nova visão política ecológica e o compromisso da RPCh para vencer a crise ambiental e construir um futuro comum para a humanidade, citamos: “Nas últimas décadas, a China tem registrado um rápido crescimento econômico e uma melhora significativa da vida do povo, pagando, no entanto, também seu preço pelo uso dos recursos e em relação ao meio ambiente. Tirando a lição do passado, a China está promovendo com maiores esforços a construção de uma ecocivilização e o desenvolvimento verde, circular e de baixa emissão de carbono. Nós incluímos as medidas em resposta à mudança climática no programa nacional de desenvolvimento econômico e social a médio e longo prazo. Respondendo por 24% do volume total da capacidade instalada de energia renovável e 42% da nova capacidade instalada mundial, a China é o maior país do mundo no que se refere à eficiência energética e à utilização de energias novas e renováveis. A China está comprometida em alcançar o pico de emissões de CO2 por volta de 2030 e se esforçar para atingir a meta o mais cedo possível, em reduzir de entre 60 e 65% até 2030 suas emissões de dióxido de carbono por unidade do PIB em relação ao nível de 2005, em elevar até cerca de 20% a proporção de energias não fósseis no consumo de energia primária, e em aumentar cerca de 4,5 bilhões de metros cúbicos o volume florestal em relação ao nível de 2005.”
As Zonas Piloto da Ecocivilização
Analisemos os compromissos ambientais da China, confrontando-os com a realidade atual: Uma quantidade recorde de energia eólica (71,67GW) e solar (48,2GW) entrou em linha na China em 2020, um aumento de 15% em relação a 2019, segundo a Administração Nacional de Energia (NEA). A energia produzida a partir do carvão, caiu, pela primeira vez, para menos de metade da capacidade instalada. A China passou a liderar as tecnologias de ponta do carvão limpo.
Em 2017, a China já anunciara os planos para a criação de zonas-piloto para financiamento verde nas províncias de Guangdong, Guizhou, Jiangxi e Zhejiang, bem como na Região Autónoma Uigur de Xinjiang. Com a adesão às duas linhas de fundo do desenvolvimento económico e da proteção ecológica, o governo provincial de Guizhou implementou profundamente as três estratégias de redução da pobreza, big data e proteção ecológica. Guizhou (que era a província com o menor PIB) colocou-se entre as que mais crescem há 9 anos consecutivos.
O projeto de ecocivilização para Xinjiang foi realizada no contexto da luta contra o terrorismo. Indústrias estratégicas emergiram, como as tecnologias da informação, bioengenharia e farmacêuticas, novas energias, novos materiais, fabrico de equipamentos e conservação de energia e proteção ambiental, beneficiando da criação da Zona de Desenvolvimento Industrial de Alta Tecnologia de Urumqi. As novas cidades ecológicas foram construídas ao longo do território e o deserto florestado. Nos últimos 60 anos, o PIB de Xinjiang cresceu mais de 200 vezes e, per capita, quase 40 vezes.
É que, na visão política chinesa, o desenvolvimento sustentável é definido como crescimento económico acompanhado de proteção ambiental e justiça social. Enquanto, através da Globalização, os países desenvolvidos transferiram a sua indústria para os países em desenvolvimento como forma de colonialismo ambiental. A China criou os seus próprios modelos de mercado socialista e socialismo ecológico.
A RPCh transformou-se na líder mundial na capacidade instalada de energia hidroelétrica, energia eólica e energia fotovoltaica, desde 2017. Em finais de 2020 o presidente Xi Jinping anunciava que as emissões de carbono serão reduzidas em 60-65% até 2030 e estabelecia para 2060 o objetivo da neutralidade carbónica.
O Socialismo Ecológico e o conceito de ecocivilização são dois novos conceitos de filosofia política, estruturantes da Nova Era, que permanecem insuficientemente estudados, e são fundamentais no pensamento de Xi Jinping. Essa visão política marca a participação da China na COP15 e em todas as instâncias internacionais.
Na realização do ideal político da ecocivilização, a China tem um papel capital a desempenhar e o mundo necessita que a construção dos primeiros pilares da civilização ecológica na China tenha sucesso e promova o desenvolvimento sustentável em todo o planeta. E que essa visão de progresso integre o desenvolvimento harmonioso da natureza e do ser humano, em paz.
A ecocivilização representa uma fase superior da civilização.
Por António dos Santos Queirós
Professor e Investigador, Universidade de Lisboa