Visão: Por que agredir um país amigo?

Published: 2021-09-19 19:31:18
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Por Hélio de Mendonça Rocha, articulista e repórter de política internacional

No último dia 16 de setembro, um homem se aproximou do consulado da China no Rio de Janeiro e fez um ataque a bomba, tendo suas imagens registradas pelas câmeras de segurança. O artefato era pequeno e os danos não foram graves, mas sintomáticos de um momento difícil vivido pelo Brasil, em que a divisão política, alimentada pelo mau entendimento sobre orientações ideológicas e relações econômicas e diplomáticas, conduz as pessoas a decisões erradas. Repudiando o fato, esta reflexão busca explicá-lo e entender por que o estranhamento à China não é saudável ao Brasil e não condiz com o comportamento e os planos internacionais do Governo e do povo chinês.

Eram quase 22h de quinta-feira quando o homem ainda não identificado, vestindo roupas pretas, aproximou-se da sede do consulado e atirou o explosivo, sem ferir pessoas e causando pequenos danos materiais, mas ofendendo um dos principais parceiros econômicos e diplomáticos do Brasil. Segundo a 10ª Delegacia de Polícia Civil do Rio de Janeiro, no bairro de Botafogo, que ficou responsável pelo caso, já foram realizados exames periciais pelo Instituto de Criminalística e pelo Esquadrão Antibomba, além da audição de testemunhas.[1]

“A ocorrência está a cargo da 10ª DP (Botafogo). Exames periciais foram realizados pelo Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) e pelo Esquadrão Antibomba. Agentes requisitaram e analisam imagens de câmeras de monitoramento que registraram a ação para identificar o autor. Testemunhas estão sendo ouvidas. As investigações estão em andamento”, informou, em nota, a Polícia Civil.[2]

O Consulado da China publicou uma nota pedindo investigação minuciosa e punição do culpado[3]. “A parte chinesa espera e tem a convicção de que o governo brasileiro tomará medidas concretas para proteger as missões diplomáticas e consulares e seu pessoal no país, como prevê a Convenção de Viena, garantindo a segurança e a integridade das instalações e de seu pessoal”, afirmou o órgão. A Embaixada publicou na rede social Twitter, agradecendo a solidariedade dos demais embaixadoras e embaixadores e reforçando que as missões diplomáticas devem ser respeitadas[4].

Resta ao jornalismo, além de acompanhar o caso, discutir as causas que levam a este tipo de atitude e demonstrar o quão vazias são quaisquer razões para temer ou rejeitar a presença da China na cultura, na economia ou nas relações diplomáticas do Brasil. Desta forma, cabe começar pelo entendimento de onde começa essa relação negativa.

Pessoas que dizem não gostar da China, certamente, têm ótima relação com sua cultura, com seu pensamento, mesmo com suas doutrinas políticas e econômicas. Afinal, diversos elementos da cultura chinesa são reverenciados no Brasil, como as artes marciais, os pandas, as muralhas, entre outros. O país é famoso por grandes poetas e filósofos. E, mesmo que haja desinformação a respeito do que seja comunismo, todos sabem que a China é um país rico, onde as pessoas têm qualidade de vida, o que prevalece em relação a qualquer discurso ideológico.

A questão é: a ascensão da China pode causar desconforto a alguns oligopólios ocidentais. Em 2011, o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger, em seu livro Sobre a China, alertou para que, ao longo do século XXI, o Ocidente pudesse reagir ao surgimento de uma nova potência econômica da mesma forma como a Europa reagiu à Alemanha no final do século XIX. Isto é, com o incentivo ao nacionalismo vazio que chega ao cidadão médio, sem tempo de estudar a política internacional, que apenas apreende o que lhe chega pelos disparos de chat (no passado, jornais ultranacionalistas), recheados de preconceitos e falseamentos.

Vale reforçar que nada disso é verdade. E dois exemplos são salutares para demonstrar o quanto a China, como oferta a mais de negócios de grande monta para o Brasil, pode ser motor para o desenvolvimento nacional, dentro de uma das principais balizas do capitalismo: a concorrência. Ao não estar preso à possibilidade única de negociar com o bloco das potências ocidentais, lideradas pelos Estados Unidos, o Brasil pode crescer com mais qualidade.

O ano de 2020, mesmo com a pandemia, registrou recorde no setor comercial, com uma corrente de 101 bilhões de dólares em investimentos. O setor de eletricidade atraiu 97% dos investimentos chineses, sendo distribuídos em diversos tipos de obras e serviços, como a construção de usinas térmicas no Rio de Janeiro e eólicas na Bahia, além de outros lugares. [5] Outro exemplo é o da indústria automobilística, em que a empresa brasileira CAOA se uniu à chinesa SAIC, controladora da marca Cherry, para formarem uma joint-venture que criou a primeira montadora de carros nacional, a CAOA-Cherry.[6]

Portanto, o intercâmbio Brasil-China é fundamental para o crescimento desses países. Na abertura da cúpula do BRICS em Xiamen, em 2017, o presidente Xi Jinping deixou duas palavras importantes. A primeira, sobre a soberania dos países: “Nossos laços cada vez mais estreitos exigem que desempenhemos um papel mais ativo na governança global. Sem a participação dos nossos países, muitos desafios globais prementes não podem ser efetivamente resolvidos”. E, sobre a importância de cada pessoa: “A amizade entre as pessoas é a chave para as boas relações entre os países. Somente com cuidados intensivos, a árvore da amizade e da cooperação poderá crescer exuberante.”[7]

Recorrendo à metáfora de Xi, a árvore da amizade começa naqueles que têm a missão de liderar. Para que os galhos não caiam, é preciso que os líderes cultivem a tolerância e não repitam os erros do passado, como aqueles apontados por Kissinger.

[1] Poder 360: https://www.poder360.com.br/brasil/homem-joga-bomba-no-consulado-da-china-no-rio-de-janeiro/

[2] Agência Brasil: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-09/polic

[3] Consulado da China no Rio de Janeiro: http://riodejaneiro.chineseconsulate.org/pot/zlghd/t1908044.htm

[4] Embaixada da China no Brasil: twitter.com/EmbaixadaChina

[5] Conselho Empresarial Brasil-China: https://www.cebc.org.br/2021/08/05/investimentos-chineses-no-brasil-historico-tendencias-e-desafios-globais-2007-2020/

[6] Xinhua: http://portuguese.xinhuanet.com/2018-03/29/c_137074326.htm

[7] A Governança da China. Volume II. Página 604.

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