Aprender o idioma e o conhecimento chinês
Discretamente, o mandarim vem sendo cada vez mais estudado no Brasil, reunindo diferentes perfis de pessoas que buscam o idioma pelos mais variados motivos. Todos procuram o principal idioma chinês não apenas pela riqueza da cultura da China, mas por entenderem o papel que este país deve exercer no mundo, nos próximos anos.
Alexandre Wong, aluno
Os alunos chegam às escolas de língua chinesa por razões às vezes curiosas. Uma delas é a de Alexandre Wong, 34 anos, comerciante. Ele é filho de chineses, imigrantes da província de Guangdong, sul da China. Eles falam poucas palavras de mandarim no dia a dia, porque nessa região a língua predominante é o cantonês, e não transmitiram o idioma oficial chinês ao filho. Wong, por iniciativa própria, quis recuperar as próprias raízes e aprender mais que apenas o cantonês.
“Eu já tinha familiaridade com alguns sons, com caracteres, mas não com o mandarim, o que inicialmente foi um grande desafio. Já passei um tempo na China, pude aprender melhor, também na conversação, no dia a dia.” Ele acredita que os estudos podem aprofundar seus conhecimentos sobre a própria sociedade chinesa. “É uma sabedoria milenar. Os próprios caracteres expressam uma filosofia e um conhecimento. O mandarim é uma língua que abre horizontes.”
Thays Ferreira, aluna
Já a estudante de relações internacionais Thays Ferreira, 26, domina vários idiomas e vê facilidades no mandarim, quanto à organização das frases. O problema, segundo a estudante, é o conjunto das palavras, totalmente diferente das nossas. “Para memorizar tudo, já preenchi mais de três cadernos de duzentas folhas, tomando notas de palavras. Um caractere por dia.”, afirma Thays.
É o mesmo que diz o farmacêutico Rodrigo Gabetto, 34. “Eu sempre quis aprender um alfabeto diferente. A escolha pelo mandarim foi pela importância no mercado de trabalho.” Das dificuldades, ele ressalta a tonalidade e o alfabeto. “Uma palavra muda de sentido conforme a vogal ascendente, neutra ou descendente, mas você acostuma. Já os ideogramas são um mundo novo. É preciso muito tempo e dedicação.”
Rodrigo Gabetto, aluno
Por fim, Vinicius Dias, 33, professor, é um admirador da cultura oriental. Começou como um fã de animes, j-rock e k-pop, viajou para Coreia do Sul, teve contato com a filosofia do Oriente, até perceber que as origens de vários elementos daquelas culturas estavam na China. “A maturidade no meu aprendizado sobre o Oriente me levou à China e ao mandarim”, afirma Vinicius. “Na Coreia, eu fiz amizade com muitos chineses, foram pessoas muito gentis, que me fizeram experimentar essa tradição incrível.”
Caracteres exigem paciência, mas são a alma da cultura chinesa
As dificuldades apontadas pelos alunos são as mesmas que os professores tentam solucionar. Trabalhar os diferentes tons do mandarim é possível, com base em repetição para naturalização dos sons. Porém, no caso do alfabeto, a passagem do ensino com o chamado pinyin, ou seja, a adaptação do chinês em caracteres ocidentais, para a leitura nos ideogramas originais, é muito difícil.
“Isso pode ser muito frustrante para os alunos, porque requer muito tempo de memorização. É preciso muita paciência. Por isso, a estratégia é motivacional. É preciso o tempo todo deixá-los confiantes”, aponta a professora Jing Tingting, do Instituto Confúcio do Rio de Janeiro, que dá aulas desde Xuzhou, província de Jiangsu, remotamente, por causa da pandemia.
“Até para nós é difícil. Em 1956, o Governo simplificou os caracteres, para facilitar a alfabetização, mas nós não podemos dissolver o sistema chinês porque ele tem significado para a nossa cultura, então temos que trabalhar métodos, e esse método, a meu ver, é emocional. É cultivar a paciência e a recompensa aos poucos”, conclui Jing.
Aula do prof. Duan no Instituto Confúcio do Rio de Janeiro
Já o professor Duan Shiguang, que leciona na mesma unidade e está radicado no Rio, ressalta o valor do intercâmbio cultural para que haja o crescimento do interesse no idioma. Conforme Duan, são coisas que caminham juntas.
“Se um estrangeiro conhece bem a China, ele terá um forte interesse em aprender chinês; se um estrangeiro tem um preconceito ou estereótipo sobre a China, será difícil para ele aceitá-lo”, analisa o professor.
Ele aponta a cultura pop coreana e japonesa como fatores que atraem interesse para os idiomas vizinhos, aos quais a China está atenta. “É um fato que o Japão e a Coreia têm uma forte cultura pop; por isso o cinema e a televisão chineses têm florescido nos últimos anos, com plataformas como ‘iQiYi’ e ‘Tencent Video’ fazendo grandes esforços para desenvolver seus mercados no exterior. Alguns filmes blockbusters têm sido bem recebidos na Europa e na América.”
Vinicius Dias, aluno
O mandarim como nova língua internacional
Testemunhos como os de Thays, Rodrigo, que vê no mandarim uma oportunidade para o mercado de trabalho, ou do professor Duan, que afirma a indissociabilidade da língua e da cultura, mostram o quanto a ascensão de um idioma entre estrangeiros é reflexo do crescimento político, econômico e cultural de seu país de origem. Por isso, especialistas veem que, atualmente, o mandarim vem se estabilizando como uma futura língua internacional, tal como o inglês.
Para o professor Wedencley Alves, doutor em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o cenário cultural e geopolítico futuro é multilateral, ou pluricêntrico. Nele, em muitas relações, novos idiomas serão essenciais, como o mandarim, o russo, o árabe e o próprio português, que representam nações e povos relevantes nessa configuração almejada pela China e por vários países parceiros, entre eles o Brasil.
“A língua não é apenas um instrumento. Ela é portadora de memória, de valores, da cultura. Portanto, o inglês, que é o mais usado hoje para relações internacionais, não dá conta de relações não mais lideradas por países de origem britânica, que tradicionalmente estiveram à frente do Ocidente capitalista. Eu prevejo uma situação não de novos domínios linguísticos, mas de descentralização, do uso de mais idiomas como gesto mútuo de admiração e confiança.”
A pesquisadora do Instituto Ásia, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Melissa Cambuhy, entende que é importante que o mandarim se torne mais falado no mundo, já que a difusão do chinês e de outras línguas seria mais um passo nos esforços pelo multilateralismo.
Se a humanidade viu idiomas se difundirem pelo mundo, criando hegemonias como as do latim e do árabe, na Idade Média, ou do francês e do inglês no Ocidente contemporâneo, o século XXI pode ser o primeiro a apresentar essa nova configuração: muitos idiomas, mais de um alfabeto, e o interesse cultural ou profissional de pessoas como Vinicius, Thays e Rodrigo tornando-se o fundamento da relação entre os países.
por Hélio de Mendonça Rocha, articulista e repórter de política internacional