Visão: Qual o papel do “ranking da Bloomberg” na pandemia?
Por Hélio de Mendonça Rocha, articulista e repórter da política internacional do Brasil
A conceituada revista americana Bloomberg divulgou recentemente seu relatório com um ranking dos países que, atualmente, vivem o melhor e o pior momento na pandemia de Covid-19. Como é natural a todas as listas, alguns pontos são consensuais e, outros, controversos. Entretanto, poucas vezes se viu algo tão estranho à realidade quanto a apresentação dos Estados Unidos na primeira posição entre os melhores combates à Covid-19.
Mesmo com mais de 620 mil mortos e 29 milhões de casos, sendo, destes, quatro milhões de casos ativos, o país americano foi alçado à primeira posição devido à reunião de atributos específicos, que, inclusive, fogem à área da saúde, como a circulação de aviões. Não que se deva deslegitimar os números e o ranqueamento apresentado pela Bloomberg, mas cabe, primeiro, analisar o seu papel como veículo de imprensa.
Estabilizada como uma das principais publicações de economia da imprensa ocidental, a Bloomberg oferece análises que visam à orientação de investidores e governos, reunindo informações de interesse do capital internacional. Isso, por exemplo, já a diferencia de uma publicação como a Science. Os critérios apresentados, a saber, cobertura vacinal, severidade do lockdown, frequência de voos confirmados e rotas turísticas abertas, dão mostras da resiliência econômica de um país. Entretanto, não indicam os “melhores lugares para se estar durante a reabertura”, como a revista intitula sua tabela, tampouco “os países que melhor enfrentaram a pandemia”, como a repercussão tem sido dada. Dito isso, cabe discutir como estão os Estados Unidos e a China nesse contexto.
A potência ocidental chegou a ser o epicentro do coronavírus no mundo, tendo registrado mais de cinco mil mortes ao dia ainda este ano, em fevereiro. A reação norte-americana foi, em grande parte, retardada pelo negacionismo que existiu no país nos primeiros meses e, também, porque é um lugar de muita circulação de pessoas estrangeiras, concentrando os maiores centros de negócios do Ocidente. Se, hoje, os Estados Unidos reagem bem à pandemia, isso se deve ao investimento pesado na produção de vacinas, e o uso prioritário em seus habitantes.
Esse é um ponto importante para o entendimento do que é, ou não, sucesso no enfrentamento à pandemia. Os norte-americanos vêm, desde 2020, investindo na chamada Operation Warp Speed (ou, em livre tradução, Operação Velocidade da Luz), que criou condições industriais para que a vacina fosse produzida em larga escala, compensando o insucesso inicial na prevenção ao vírus, numa iniciativa que se assemelha a esforços de guerra.
A China, por outro lado, investiu na promoção da ação cidadã, fazendo campanha pelo distanciamento social e o uso de máscaras (já habitual nos países do Oriente, por razões diversas, como poluição e outras epidemias localizadas), e achatando a curva de transmissão da Covid-19 já no primeiro mês da pandemia, o que resultou numa gradual reabertura que permite que, hoje em dia, o país retome a normalidade. Além disso, o país aplicou mais de 1,3 bilhão de vacinas, para um total de 1,4 bilhão de habitantes.
Ao contrário de simplesmente produzir vacinas para combater a doença, a China investiu em moderar comportamentos para prevenir sua propagação. E, por isso, hoje fabrica imunizantes para si mesma e para o mundo, já que está em condições sanitárias de dividir este ativo com outros países, colocando-o em benefício da humanidade. Para tal, no entanto, segue com políticas de restrições, como redução de circulação de estrangeiros. Não é política diferente de outros casos similares de sucesso, como Coreia do Sul e Nova Zelândia.
Assim sendo, o que vale é discutir: o que se entende por sucesso no combate à Covid-19? Um país que manteve seus índices em baixa, com 92 mil casos e 4.500 mortes, não pode ser desconsiderado como um dos melhores países no combate à Covid-19. Ainda mais se for lembrado que o país foi a primeira vítima da pandemia, em janeiro de 2020. Seguramente, a China pode ser o maior sucesso.
No caso do Brasil, que é também um dos países mais afetados pela doença, foram 534 mil mortos e 19 milhões de casos, e uma das principais ferramentas de combate à pandemia é a vacina chinesa Coronavac, que permitiu a erradicação da Covid na cidade de Serrana, estado de São Paulo, onde foi testada em larga escala para medir sua eficácia. Talvez este seja o grande diferencial: a solidariedade internacional. O modelo chinês de enfrentamento à Covid, com diversas medidas preventivas e esforços para cobertura vacinal local e dos demais países, é aquele que, de fato, pode acabar com a Covid-19 no mundo.
Portanto, cabe deixar clara a diferenciação: o caso apresentado pela Bloomberg é de melhores índices específicos de recuperação econômica, num tema restrito e determinado. O melhor país, pesados diversos índices pertinentes, provavelmente é a China, embora ainda não haja estudo que o tenha medido. E o “melhor lugar para estar”, com toda a subjetividade que cabe a esta expressão, é aquele onde a pessoa quiser, desde que protegida e vacinada.