Jorge Amado é recuar muitos anos até à sala de estar da casa da Avenida Almirante Reis, em Lisboa. São os sofás de couro mel e o volume do livro "Tieta do Agreste" ao lado de uma caixa de mahjong a apanhar pó. Este é o meu primeiro Jorge Amado e provavelmente o de muitas crianças portuguesas. Foi no escritório do meu pai, estantes-meias com as enciclopédias luso-brasileiras, que Jorge Amado ficou quando partimos para Macau. Amado, ligado ao Partido Comunista brasileiro, esteve várias vezes na China e tem dez livros traduzidos para o mandarim. Nunca esteve em Macau, veio agora pela primeira vez pela mão da filha, Paloma Amado, que está cá a convite do festival literário para apresentar a vida e a obra do pai. Há quinze anos, durante os tempos do liceu, Jorge Amado não fazia parte do currículo escolar. Nem ele, nem qualquer outro autor brasileiro. Nem qualquer outro autor de outro país de língua portuguesa.
Apenas autores portugueses.
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Depois de ler José Eduardo Agualusa, os alunos da Escola Portuguesa de Macau já suspeitavam que sim, que o céu do Huambo fosse diferente dos outros céus. Agualusa confirmou, sim, o céu do Huambo é muito especial. O autor angolano esteve agora pela primeira vez em Macau. Mas os livros já faziam parte das estantes da escola portuguesa.
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Agualusa tem apenas uma obra traduzida para o chinês "O Vendedor de Passados". Numa entrevista, disse-me que durante os painéis organizados pelo Festival Literário de Macau se sentou ao lado de poetas e escritores chineses que nunca tinha visto nem ouvido falar.
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Bi Feiyu foi um dos escritores chineses convidados para o festival. Natural de Xinghua, na província de Jiangsu, é autor de romances como "Three Sisters" ou "The Moon Opera". Já recebeu uma série de prémios literários e as suas obras foram traduzidas em mais de vinte línguas. Não em português.
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O tradutor de algumas das obras de Bi Feiyu para o inglês é o sinólogo Howard Goldblatt. Foi também através de uma tradução de Goldblatt, que nasceu a versão portuguesa de "Peito Grande, Ancas Largas" do Nobel da Literatura de 2012, Mo Yan. Por enquanto, esta é a única tradução portuguesa de um livro de Mo Yan e foi feita a partir do inglês. Há uns meses, numa entrevista, o responsável por esta tradução, João Martins, disse-me que há interesse na literatura chinesa, o que falta são tradutores.
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Que o Festival Literário de Macau, já um dos mais importantes eventos culturais do território, aproxime estes dois mundos, que ainda se estranham.
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