Nada tenho de meu é um diário de viagem do século XIX adaptado aos tempos de hoje. Neste filme, o realizador português, Miguel Gonçalves Mendes e os escritores brasileiros, Tatiana Salem Levy e João Paulo Cuenca partem numa viagem pelo Sudeste Asiático.
Miguel Gonçalves Mendes falou à CRI sobre este filme, apresentado durante a segunda edição da Rota das Letras em Macau, e sobre o seu novo projeto "O Sentido da vida", que vai contar com a participação do escritor português valter hugo mãe e que poderá incluir a Presidente do Brasil, Dilma Rousseff. A crise em Portugal não ficou fora da conversa.
Regressou este ano para a segunda edição do Festival Literário de Macau para apresentar um filme que começou a ser feito durante a primeira edição. Como é que foi a recepção do público. Antes de mais, é óbvio que eu estou muito orgulhoso com a vinda do filme. O que mostrei foi uma versão "work in progress". O filme vai estrear na RTP só em Junho, mas entretanto a série já foi exibida no Brasil, onde foi vista por um milhão de pessoas. Tanto para mim como para o festival é importante que o filme tenha sido exibido, ele é fruto do festival, ele existe porque o festival existe.
Este filme foi feito em conjunto com dois escritores brasileiros, João Paulo Cuenca e Tatiana Salem Levy, que estiveram na primeira edição do festival. Sim e também acabei por conhecer pessoalmente a Lolita Hu, que é uma escritora de Taiwan e que acabou por entrar no filme, ela assume um dos papéis principais porque ela é narradora da história. E acho que é isso que é muito útil no festival Rota das Letras, é efetivamente fazer esta ponte entre o que é a língua portuguesa espalhada por diversos continentes e a língua chinesa.
No nosso caso concreto do filme, vamos tentar não só que o filme seja exibido na China, como estamos a publicar neste momento um livro que conta com as crônicas de viagem escritas pelo João Paulo Cuenca e pela Tatiana, como tem a série em formato BD com a história de todos os personagens. E esse livro vai ser publicado em português e chinês.
Mas voltando atrás, o Miguel e os escritores brasileiros fizeram uma viagem pelo Sudeste Asiático que começou em Macau. Fale-me um pouco do filme. O filme repega num formato já existente que eram os diários de viagem do séc. XIX, mas transposto para a contemporaneidade, isto é, uma espécie de diário de viagem de séc. XIX, mas versão vídeo séc. XXI. Tendo em conta a minha formação enquanto documentarista, e acho que isso é a graça do projeto, ele lida com uma ideia errada que muita gente tem de receber a imagem como verdade. Ora, a imagem não é verdade, a imagem em geral é pura manipulação. O que nós fazemos nesta viagem é, através do trabalho do João Paulo e da Tatiana como escritores, construir narrativas a partir de premissas reais, portanto o espetador não sabe se o que está a ver é verdade ou se é ficção. Mas não importa, o que importa é o objeto final do filme e isso acho que é muito interessante porque é basicamente uma viagem interior de três pessoas que estão à procura de respostas numa situação de catástrofe iminente, em que há um asteróide chamado Portugal que vai embater no mundo e, como tal, equacionam a sua vida. Não só elas, mas o mundo todo. Aí é feita uma ponte muito interessante, que a Lolita enquanto narradora da história partilha, ela quis usar estas personagens porque considera que os ocidentais têm muito a mania de mitificar o Oriente, atribuindo uma série de misticismo e religiosidade, que ela acha que ele não tem, que o Oriente é muito prático e essa é a grande diferença entre os ocidentais e os orientais. É a capacidade dos ocidentais do poder da abstração e, no caso dos orientais do poder de praticidade e do concreto.
Agora está a trabalhar num novo projeto com o realizador brasileiro Fernando Meirelles e por isso está em Macau a filmar o escritor valter hugo mãe. Em que consiste esse novo projeto? Esse projeto é o meu próximo filme, mais uma vez vai ser uma odisséia infernal. É um projeto que está desenhado para três anos, dois anos de rodagem e um ano de montagem. É um documentário, que conta a história de um jovem entre os 25 e os 35 anos, que descobre que tem uma doença da qual poderá não sobreviver e por essa questão, por saber que o tempo está a contar, decide ir dar uma volta ao mundo à procura do sentido da vida. Nessa viagem pelo mundo, em que ele acaba por ser quase um olhar universal de todos nós, ele depara-se com a dimensão pública de sete personagens, que funcionam como sete arquétipos, como por exemplo um político, um músico um realizador, um escritor e um astronauta. Esta é uma dissertação numa altura de crise, numa altura em que nós perdemos a fé, numa altura em que o sistema está a colapsar, o que é que efetivamente nos move? O que é que nos faz estar aqui numa época de uma descrença tão grande?
Quem é esse jovem? O jovem neste momento está a ser escolhido em colaboração com o Instituto Português de Oncologia. As pessoas que estão confirmadas são o valter hugo mãe como escritor, os Sigur Rós estão quase confirmados, o filósofo Alain de Botton também está confirmado e a Dilma, presidente do Brasil, já manifestou interesse em entrar no projeto.
Entraram em contato com a Dilma Rousseff? Entrei em contato através do gabinete de assessoria de imprensa Dilma Rousseff, mas sim, eles já lançaram uma nota para a imprensa para a revista "Isto É" no Brasil que diz que a presidente está inclinada a participar no projeto. Dizia "Dilma na Telona".
E o valter hugo mãe, o que tem sido feito com ele aqui em Macau? Nós neste momento estamos na fase de pesquisa e da escrita do argumento. A rodagem só arranca em janeiro do próximo ano. É um trabalho preparatório de investigação e de aproximação. Como eu costumo defender, este tipo de trabalhos são trabalhos que levam muito tempo, sobretudo porque é necessário estabelecer-se a confiança para que a verdade se instale e como tal, é um trabalho quase de sedução e de aproximação que eu estou a fazer com o valter. É óbvio que para mim é muito importante ter a dimensão internacional que o valter tem e sobretudo estar em Macau e ter imagens de Macau, o que reflete não só uma mescla entre culturas, mas um passado português, que já não existe, Portugal já não existe, mas Macau continua a ser reflexo disso.
Esteve à frente de uma série de manifestações pela demissão de um ministro português. Continua integrado nesses movimentos? Infelizmente não posso estar tão integrado nesses movimentos porque estou a residir parcialmente no Brasil. Agora, é óbvio que não me demito da minha função enquanto cidadão e o que se está a passar em Portugal é muito grave. A democracia não está posta em causa, ela já não existe e estão basicamente a destruir o país e portanto é óbvio que nós enquanto cidadãos, se temos algum amor ao lugar onde nascemos, não podemos permitir esta liquidação. Eu acho que as épocas de crise servem efetivamente como períodos de restruturação em que os povos se obrigam a repensar e a reconstruir, mas neste momento não é isso que existe, não existe um discurso mobilizador, o que existe é a destruição de um povo e a tentativa que ele seja um mercado barato, pobre para fácil investimento. E a questão é esta, eu não quero esse desígnio para o meu país, sobretudo nos dias de hoje. A única coisa que acho assustadora, e até mesmo agora que estou a viver no Brasil e acho até quase cômico, é verdade que eu acho quase uma justiça histórica que a Europa tenha construído monstros com os quais nunca possa rivalizar, isto falando em termos de mercado, em termos econômicos. Agora muitas vezes a América Latina e mesmo a América do Norte, todo o mundo está a olhar para a Europa com uma espécie de desdém e a dizer: eles merecem o que está a acontecer. Mas para dizer a verdade, eu não estou a pôr em causa se nós merecemos ou não merecemos historicamente o que nos está a acontecer. Mas a única coisa que eu meto em causa é que mal ou bem a Europa era um farol civilizacional no que toca ao Estado Social, aos direitos sociais e à luta pela solidariedade, pela entreajuda e neste momento o que me assusta é que é a própria Europa a pôr em causa esse discurso.
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