Opinião: Covid19, realidade versus propaganda

Published: 2020-05-15 14:35:56
Share
Share this with Close
Messenger Messenger Pinterest LinkedIn

Por Pedro Luiz Rodrigues

Enquanto cientistas de todas as partes do mundo correm contra o tempo na busca de uma vacina que neutralize o Covid 19, no cenário internacional os Estados parecem mover-se em câmara-lenta em termos de atuação coordenada no enfrentamento da pandemia.

De início, essa lentidão pode ser atribuída à surpresa e ao despreparo, no Ocidente, diante da chegada e propagação do novo vírus. Muitos países não puderam fazer outra coisa do que correr atrás do tempo para tentar remediar suas deficiências e atender os seus nacionais.

Mas já está passando – ou já passou- a primeira onda do tsunami. Ao mesmo tempo em que revelou graves deficiências na saúde pública de muitos países, mostrou ser necessária melhor coordenação global para debelar uma ameaça que não respeita fronteiras. Uma segunda onda parece inevitável.

Paradoxalmente, no Ocidente – a região mais duramente afetada pelo flagelo –, pouco se tem falado do assunto. Há sim, perda de tempo precioso, gasto com questões decorrentes de nacionalismos exacerbados, de agendas eleitorais, ou de egoísmo, puro e simples.

Assim, em vez da desejada cooperação internacional científica e humanitária, o que se tem são disputas ideológicas e a propagação de teorias conspiratórias despropositadas, como se não houvesse interesse por soluções, mas em se buscar culpados.

Têm crescido as insinuações que o Covid19 foi produzido artificialmente, na China, teoria que a absoluta maioria dos cientistas descarta como ficção. Alguns países, destacando-se a Austrália, já propuseram uma investigação sobre a origem do novo coronavírus, como se este fosse o momento oportuno para realizá-la.

O lamentável que a difusão desse tipo de notícias empana o foco global e coordenado que neste momento deveria se voltar ao enfrentamento do novo coronavírus e de suas gigantescas e danosas consequências econômicas e sociais. Investigações poderão ser oportunamente feitas, pelo órgão especializado da ONU, a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Para isso, em primeiro lugar, deve haver um esforço internacional para reforçar a autoridade da OMS, para que ela possa cumprir o papel para a qual foi criada. Fundamental é que seus membros envidem esforços para convencer os Estados Unidos a recuarem de sua posição de aberta hostilidade ao organismo.

Enquanto isso, as máquinas de propaganda vão funcionando a pleno vapor, agilizadas pela instantaneidade das mídias eletrônicas. Tornaram-se verdadeiras armas de difusão não só de mentiras ou de meias-verdades, gerando desconfiança e instabilidade em escala global, num momento em que o mundo, mais do que nunca, precisa de equilíbrio e lideranças firmes.

A comunidade científica, em todo o mundo, rejeita a versão que se espalha a partir território norte-americano – e que ganha incidência crescente em outros países, inclusive no Brasil –, de que o Covid19 tenha sido engendrado em laboratório na China.

O que os cientistas nos asseguram é que novo coronavírus, é apenas uma variedade – muito letal, é verdade - das zoonoses viróticas, entre as quais encontramos diversas outras, como a gripe, a raiva, o HIV, o Ebola e o MERS (Síndrome Respiratória do Oriente Médio), transmitido por camelídeos. Sobre essas zooneses falaremos mais adiante, ao final deste artigo.

A propaganda, essa velha arma

O emprego da propaganda com finalidades estratégicas não representa uma novidade no cenário das relações internacionais, mesmo em tempos de paz.

Platão, ao estabelecer a distinção entre conhecimento (fruto da razão) e opinião (intuitiva e sensorial), admitiu que os donos do poder pudessem, na defesa dos interesses da pólis, lançar mão da mentira e da dissimulação, enganando inimigos e concidadãos.

No Renascimento, a defesa do segredo de Estado foi reforçada por Maquiavel, para quem (Discursos, Livro III, Capítulo 6) a mentira, sob a forma de tramas e conjuras, constituía uma forma poder invisível, a ser neutralizada pelo Príncipe. Este, detentor do poder formal, para derrotar seus inimigos, deveria deixar de lado quaisquer pruridos e atuar com a força do leão e a astúcia ardilosa da raposa.

Em contraponto, duzentos anos depois, insurgiram-se contra essas visões os filósofos do Iluminismo. Jean-Jacques Rousseau n’O Contrato Social, demandava dos soberanos o apego à verdade, de modo a que o Estado fosse dirigido conforme a vontade do povo, sob o argumento de que somente bases democráticas poderiam proporcionar igualdade jurídica a todos. É o que a democracia impõe, e também o que ela espera do governante. A proposta é perfeita, no campo das idéias; mas sempre defeituosa na vida real.

Em minha dissertação sobre Opinião Pública e Política Externa, apresentada no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, mencionei exemplos do uso da propaganda e da falsificação da verdade em determinados momentos da vida internacional. Um desses exemplos foi o de Walter Lippmann, que como editor da New Republic trabalhou como propagandista para o governo dos Estados Unidos, conclamando seu país a entrar na I Guerra Mundial.

Ronald Steel, no prefácio à obra Opinião Pública, de Lippmann, observa que este foi depois mandado à Europa, trabalhar como enviado especial da Casa Branca. “Lá aprendeu o quão fácil era manipular a opinião pública”. Essa percepção teve um impacto tão grande sobre ele que passou a questionar o conceito de que o público sempre tem razão. E se o público não soubesse o que não sabia? E se o problema não fosse apenas a informação defeituosa, mas a conversão pelo público de assuntos com os quais não tinha familiaridade para categorias familiares, mas errôneas? Os seres humanos, afinal, embora digam buscar a razão, seguem no mais das vezes, impulsivamente, emoções, hábitos e preconceitos.

Se nos regimes democráticos a propaganda teve asas fortes, com ainda maior intensidade se deu, e se dá, em sistemas políticos mais fechados, onde não se abre espaço institucional para o questionamento e a dúvida.

Isso tudo servindo de prólogo para dizer que não existem santos na guerra da propaganda, nessa disputa por “corações e mentes” da qual participam as grandes potências para buscar convencer os indecisos, atraindo-os para o seu lado. Embora muitos norte-americanos acreditem que a expressão tenha relação com sua participação na Guerra do Vietnã (décadas de 1960 e 1970), na verdade a conclamação para conquistar “corações e mentes” foi cunhada em 1895 por um general francês (Lyautey ), por coincidência no próprio Vietnã (então a colônia francesa da Indochina).

Covid19 e outras zoonoses

A gripe (influenza) foi adquirida pelos humanos a partir de contato com animais domésticos, e é uma das doenças mais antigas. No Ocidente, sua presença foi diagnosticada documentadamente no século XV, antes mesmo da descoberta da América por Cristóvão Colombo (1492). Houve uma grande epidemia na Rússia (1781), outra na Ásia (1830) e ainda outra, devastadora, que passou à história como a “Gripe Espanhola” (1917-1918), que trouxe a morte para cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo.

A raiva – vírus (do gênero Lyssa) – outra nossa conhecida de séculos, é transmitida aos humanos por cães e gatos e outros mamíferos, e produz em suas vítimas uma encefalite aguda, com letalidade de cerca de 100%. No Brasil, felizmente, a vacinação praticamente eliminou a incidência da raiva: mortos por esse vírus específico caído de 1231 casos, em 1999, para 9 casos em 2018. Infelizmente, em outras partes do mundo, ela é transmitida anualmente a milhões de pessoas.

Uma variante dos coronavírus, o MERS-CoV, muito contagiosa, tem como fonte transmissora os camelos e foi identificada em seres humanos na Arábia Saudita, em 2012, produzindo em suas vítimas uma forma grave de pneumonia. Casos foram diagnosticados também na Europa, Ásia e Estados Unidos.

Antoine Gessain, virologista do Instituto Pasteur, em recente entrevista ao jornal francês Les Echos, informou que cerca de dois terços dos vírus emergentes são de origem animal, especialmente os mamíferos. Quanto ao novo coronavírus, observa Gessain que “nem é o mais mortal”. No caso do Ebola, observa o Dr. Gessain, trata-se de vírus que surgiu na década de 1970 no Sudão e na República Democrática do Congo e que continua muito letal até os dias de hoje, sendo seu reservatório natural os morcegos. Também de natureza virótica é o HIV (o vírus da AIDS), que matou dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo, também tem uma origem zoonótica. É "provavelmente o contato sanguíneo entre um caçador e um símio".

Devem ser motivo de preocupação as manifestações que vão se tornando frequentes no Brasil, de hostilidade – aberta ou velada - em relação à República Popular da China, em particular aquelas geradas na cúpula do Governo, por alegada responsabilidade chinesa pela propagação global do Covid19. Além de não condizentes com os valores mais arraigados da sociedade e da diplomacia brasileiras.

Pedro Luiz Rodrigues é jornalista e diplomata aposentado. Foi Embaixador do Brasil na Nigéria e serviu nos EUA, Bangladesh, Argentina, Paraguai, Israel e França. Foi diretor do jornal O Estado de São Paulo em Brasília e Secretário de Imprensa da Presidência da República e do Ministério das Relações Exteriores.

Share

Mais Populares

Galeria de Fotos

Artesanatos decorados com fios de ouro de 0,2mm
Artesão de Hainan produz instrumento musical com cocos
Artista polonês constrói uma casa em formato de chaleira
Escola primária em Changxing comemora o Dia Mundial da Terra
Vamos proteger a Terra com ações práticas
Terras abandonadas são transformadas em parque de chá em Yingshan na província de Sichuan

Notícias

Equipe médica chinesa oferece consultas médicas gratuitas em São Tomé e Príncipe
Comentário: Destino de Assange revela a realidade da “liberdade do estilo norte-americano”
Dia Internacional da Língua Chinesa é celebrado em São Tomé e Príncipe
Investimento estrangeiro na China mantém crescimento no primeiro trimestre em 2022
Explosões no Afeganistão deixam pelo menos 34 mortos e 102 feridos
China faz importantes contribuições para transformação digital, diz ex-ministro brasileiro