BRICS, reformas e o futuro

Fonte: CRI Published: 2017-09-01 17:28:23
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Por Rodrigo Zeidan, professor da Fundação Dom Cabral e associado da NYU Shanghai 

Os BRICS importam. E vão ser ainda mais relevantes no futuro. Em 1992, Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul representavam 17% da economia mundial. Essa participação deve mais que dobrar até 2021, passando a 35%, de acordo com dados do FMI. 

Mas a nossa é a história de dois BRICS, os que deram certo e os que estão patinando. Enquanto China e Índia continuam crescendo, Rússia, Brasil e África do Sul estão estagnados e, pior, com chances de retroceder em seu desenvolvimento econômico. China e Índia eram somente 8% da economia mundial em 1992 e serão quase 30% em 2012, enquanto Brasil, Rússia e África do Sul eram 9.2% em 1992 e portanto maiores que os outros membros do BRICS, mas serão menos que 6% da economia mundial em 2021 (todos esses dados são em paridade de poder de compra, conceito usado para comparar renda com o custo de vida local).

É claro que há uma explicação simples para o crescimento relativo da China e Índia: ambos eram países muito pobres no início da década de 90 e saltaram da extrema pobreza para degraus menos piores: classe média baixa (no caso da China) e somente pobres, no caso da Índia.  Todavia, o caso de Brasil, Rússia e África do Sul não pode ser explicado facilmente. A principal razão pela qual o conceito de BRICS foi criado em 2001 estava no horizonte de crescimento relativo de todos os membros do grupo, e não somente dois. Mas uma coisa interessante aconteceu, e um acrônimo criou alma. O conceito de BRIC (depois revisto para incluir a África do Sul) foi criado por Jim O’Neill, economista do Goldman Sachs, em 2001. Mais importante, ele projetou que os BRICS teriam mais importância que os países desenvolvidos em 2041 (depois revisado para 2039 e ainda depois para 2032). Como podemos ver no gráfico, O’Neill estava certo, embora ele não tivesse previsto a estagnação em 3 dos 5 países.

Hoje, os BRICS são uma instituição e não somente um acrônimo. Os países regularmente se encontram para traçar estratégias em conjunto, em cúpulas periódicas e, de forma ainda mais concreta, criaram o Banco dos BRICS. Esse banco de desenvolvimento agora se chama Novo Banco de Desenvolvimento (New Development Bank) e tem autorização para emprestar US$ 34 bilhões por ano. O banco começou com uma chamada de capital de US$10 bilhões para cada membro fundador. Mudou de nome para poder agregar outros países, mas continua sendo o resultado de um acordo entre os países que compõe essa nova organização internacional, os BRICS.

Mas esses países correm um risco e precisam traçar estratégias para sair deles. Três países já caíram na armadilha da classe média. Já vimos que o crescimento da participação dos BRICS no mundo vem hoje somente da China e da Índia. A economia chinesa já gerou uma classe média de centenas de milhões. A Índia ainda precisa fazer esse salto, mas restam poucas dúvidas que vai fazê-lo. Então, como fazer para que os BRICS realizem por completo a previsão de O’Neill e se tornem o motor do mundo? São duas as principais barreiras: segurança e desigualdade. Para saltá-las, todos os países precisam de reformas. A China está saindo na frente, mas os outros países podem se juntar a ela. 

Barreiras para o desenvolvimento no contexto dos BRICS:

Segurança é uma barreira ao desenvolvimento. Em todos os sentidos. Desde segurança nacional até, e principalmente, a individual. E é por causa dessa última que amargam na estagnação Brasil, Rússia e África do Sul. No Brasil, gostamos de comentar como as pessoas devem ser cerceadas num país comunista como a China. Podemos dizer que as coisas não são perfeitas em terras chinesas, mas são infinitamente piores nos três países estagnados do BRICS. Podemos dividir os problemas de segurança em três:

Segurança individual:

Segurança de renda: uma repórter uma vez fez uma singela pergunta sobre a importância das instituições para o crescimento econômico. No caso brasileiro (e no russo, por exemplo), bastaria diminuir as instituições extrativistas, melhorando o combate a corrupção e diminuição dos privilégios, que a economia decolaria no longo prazo. Mas não é bem assim. Esses países têm uma diferença muito grande dos gigantes asiáticos: não há a primeira segurança individual, que é o direito à vida e nem a segunda etapa, que é o direito à sobrevivência.

Brasil e África do Sul, em particular, são dois dos países mais violentos e desiguais do mundo. No passado, o Brasil era conhecido como Belíndia, uma mistura de uma elite rica e pequena como a Bélgica e uma imensidão pobre como a Índia. Saímos, assim como os sul africanos, da pobreza comparável à Índia. Estamos, contudo, presos na armadilha da classe média, onde nossos cidadãos estão sujeitos a morrer ou simplesmente vivem em pobreza, sem perspectivas de futuro.

Segurança individual também é esperança. Nos gigantes asiáticos, a maior parte dos jovens sabe que tem grandes chances de viver melhor do que os pais. No Brasil, tivemos um respiro disso de 2005-2010, quando vivemos o boom das commodities e os governos não tinham destruído a economia, como o fizeram de 2009-2014. Hoje, não temos segurança nem esperança.

A armadilha da classe média é baseada em instituições extrativistas, como o horroroso judiciário brasileiro ou o sistema autocrático russo. Mas a desigualdade é um grande obstáculo. Para isso, somente reformas profundas na sociedade poderiam nos tirar desse caminho. Vamos ver como a China reorganizou sua economia para poder dar esse salto e o que os outros BRICS têm a aprender com o gigante asiático.

Reformas na China:

Em um artigo da Folha de São Paulo descrevo algumas das reformas chinesas que permitiram o país sair da extrema pobreza para a classe média. Refaço os argumentos com algumas modificações. O sucesso econômico chinês desde o fim da década de 1970 é impressionante e multifacetado. Não há somente uma razão para ele, é claro, mas, entre muitas características, como câmbio desvalorizado e política monetária frouxa, as mais importantes foram, sem dúvida, as reformas microeconômicas.

Reformas microeconômicas mudam os incentivos econômicos de pessoas e empresas. Elas incluem alterações nas regras de direitos de propriedade, impostos, alocação de crédito, emprego, previdência, atividades rurais e regras de uso de propriedade comum, entre outras.

A China começou suas reformas no fim da década de 1970 com Deng Xiaoping e somente depois delas começou a crescer desenfreadamente. As reformas começaram na agricultura, que na época concentrava quase 90% da população. As principais foram acabar com a coletivização da produção agrícola e introduzir o sistema de responsabilidade familiar, no qual cada família passou a ter a posse da sua terra desde que continuasse vendendo parte da sua produção ao Estado.

Nas áreas urbanas, a principal transformação foi o abandono do planejamento central, com incentivos à produção e ao consumo privados. Em um primeiro momento, a burocracia estatal ainda tentava direcionar preços, subsídios e crédito (o sistema jingji ganggan), mas aos poucos os mecanismos normais de mercado foram estabelecidos.

Famílias passaram a ter direito de propriedade sobre seus imóveis, em áreas urbanas. O que vale para os imóveis vale também para empresas estrangeiras, facilidade de comércio internacional, pagamento de impostos, acesso ao crédito e tudo mais que compõe o ambiente capitalista moderno.

Entre 2001 e 2004, o governo privatizou quase metade das empresas estatais, que hoje são muito menos importantes —à exceção dos bancos comerciais— que no passado. Até 1986, empresas estrangeiras não podiam ter subsidiárias na China sem parceiros locais. Hoje, é possível que empresas estrangeiras se estabeleçam na China sem nenhum parceiro local.

O resultado de todo esse esforço de modernização e reformas microeconômicas pode ser visto na evolução recente do ambiente de negócios na China. Em todas as dimensões, nos últimos dez anos tem ficado cada vez mais fácil fazer negócio na China, enquanto o mesmo não pode ser dito nos outros países do BRICS.

Em vários aspectos sociais, a China ainda tem muito que evoluir. Mas, em termos de direitos econômicos, a "comunista" China está melhorando e já está bem à frente dos "capitalistas" Brasil, Rússia, Índia e África do Sul.

Reformas econômicas são extremamente importantes e explicam grande parte do sucesso chinês. Esse movimento pela modernidade é uma das grandes lições para os países empacados na armadilha da classe média; o foco do Brasil, Rússia, Índia e África do Sul deveria ser em reformas microeconômicas. Elas podem não garantir o crescimento do ano que vem, mas devem realmente criar as condições para um futuro próspero.

Reformas nos BRICS:

A grande lição para os países do BRICS é que boas reformas funcionam. E é por isso que movimentos recentes em Brasil e Índia. Para o Brasil, isso significa sair da pior crise econômica da sua história. Para a Índia, o que importa é dar o primeiro grande salto de desenvolvimento, saindo da pobreza para a classe média.

Uma das grandes reformas no sistema econômico indiano é a grande reforma do sistema tributário em curso hoje. O país criou um grande imposto sobre valor agregado nacional, substituindo dúzias de impostos indiretos locais e estaduais. Dos 29 estados indianos, 22 já aprovaram essa reforma, iniciada em 2017. O banco central americano, em um estudo, estima que só essa reforma vai trazer 4.2% de crescimento para a indústria, incipiente, do país. A reforma do sistema tributário indiano é exatamente o tipo de reforma que cria situações no qual todo mundo ganha, desde os trabalhadores, até empresas e governo.

Enquanto na Índia e China os governos pensam no futuro, reformando vários setores da economia, Brasil, Rússia e África do Sul estão presos em um ciclo vicioso de fragilidade política ou instituições extrativistas. O Brasil até tentou trazer para discussão reformas profundas, como a da previdência, mas falhou pela fraqueza de um governo no qual o presidente é gravado recebendo empresários na surdina.

Os BRICS viraram uma importante instituição multilateral. É importante que o grupo trabalhe para incentivar que seus membros evoluam, institucionalmente e economicamente. O grupo fracassará se for usado como instrumento de manutenção do status quo, principalmente nos países estagnados (Brasil, Rússia e África do Sul). Há muito potencial para criação de valor global. Por exemplo, a disputa de fronteira entre China e Índia é uma excelente oportunidade para mostrar que essa nova instituição é uma forma real de cooperação internacional, na cúpula dos BRICS que acontece em duas semanas. Um grupo que reforce reformas econômicas que melhorem a produtividade dos parceiros pode criar valor para o mundo. Uma instituição que, do ponto de vista interno, serve para amenizar conflitos diplomáticos e que, externamente, promove uma agenda progressista de reformas institucionais. É hora de mostrar que os BRICS importam de verdade. 



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