Comentário: Incidente de visto revela cisão EUA-UE
Uma reportagem da mídia norte-americana, que diz que um cidadão dos EUA pode perder o privilégio de viajar sem visto no espaço Schengen devido a desacordos entre os EUA e a União Europeia (UE) sobre consensos de vistos recíprocos faz um acréscimo à longa lista de notícias desagradáveis para ambos os lados nos últimos dias.
As notícias em si ainda são discutíveis, já que autoridades governamentais de ambos os lados alegam que a UE apenas exige que os visitantes deem um passo extra de preencher um formulário e pagar uma pequena taxa na plataforma "Sistema Europeu de Informação e Autorização de Viagem" (ETIAS). Não é nem um pouco parecido com pedir um visto.
A UE promulgou a política com o objetivo de reforçar o controle de segurança. O sistema ETIAS exige que cidadãos de todos os países isentos de vistos realizem cadastros antes de ir aos países Schengen, com uma validade de três anos a partir da autorização. A medida influenciará viajantes de cerca de 60 países, mas só o tratamento para os norte-americanos despertou a forte atenção das mídias e até levou a um mau entendido. Por quê?
Perante as crescentes divergências entre os EUA e a UE, pequenos incidentes podem causar tempestade em copo d’água no relacionamento entre os dois lados, no qual está se tornando cada dia mais complicado, sensível e frágil.
Nos últimos anos, os EUA e a UE têm vivenciado contradições e divergências em áreas como políticas comerciais, segurança da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), integração europeia, políticas de refugiados e migração e administração global.
Por exemplo, o governo norte-americano ressente que seus aliados da OTAN canalizem poucas verbas para a cooperação na defesa e exige que esses países aumentem a participação financeira até o final deste ano. Os EUA também demandam aos países onde possuem forças armadas norte-americanas que sustentem os bônus das tropas, além de pagar todas as despesas necessárias para o seu estabelecimento na região. Os bônus representam quase 50% do valor total.
Diante da pressão norte-americana, o presidente francês, Emmanuel Macron, e a chanceler alemã, Angela Merkel, propuseram em diferentes ocasiões a criação de um exército europeu para se livrarem da dependência dos EUA. As propostas, porém, foram criticadas pelos EUA por não surtir efeitos reais.
No setor comercial, o Departamento de Comércio Norte-Americano anunciou em junho do ano passado o aumento de tarifas sobre os produtos de aço e de alumínio europeus. O órgão também submeteu em fevereiro deste ano o relatório de investigação 232 sobre automóveis importados da UE. A UE já deixou claro que adotará contramedidas uma vez que os EUA ponham em prática suas medidas antidumping.
Além disso, a retirada dos EUA do Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas e do acordo nuclear do Irã também contraria a posição europeia.
A aliança transatlântica entre EUA e UE já foi estabelecida há cerca de 70 anos. As duas partes enfrentaram desafios em conjunto, mas a fenda entre elas vem crescendo nos últimos tempos. A principal razão é a política do governo norte-americano de priorizar sempre os interesses do próprio país, assim como as divergências na cognição dos dois lados sobre as mudanças da conjuntura internacional.