Maria Lenk, pioneira das piscinas
2008-12-08 14:47:01    cri
Pioneira. Esta é a melhor definição para a nadadora Maria Lenk. Com a carreira toda formada nos tempos de amadorismo da categoria no País, ela dedicou quase todos os seus 92 anos de vida às piscinas. E quem ganhou foi o Brasil e o mundo, já que a paulistana introduziu o nado borboleta nas competições femininas em Olimpíadas, além de entrar para a história ao se tornar a primeira latino-americana a disputar os Jogos. Para completar, ainda foi uma das líderes e maiores vencedoras da categoria master na natação mundial.

A caminhada de Maria Lenk dentro da água começou por problemas respiratórios. Filha de Paul Lenk, campeão alemão de ginástica olímpica, a menina sofreu de pneumonia dupla e aos dez anos de idade passou a praticar o nado, segurada pelo pai no rio Tietê, que em 1925 ainda não era dominado pela poluição. A opção também era a única possível, já que ainda não existiam piscinas de 25 metros em São Paulo.

Superando o preconceito em relação a mulheres esportistas, a nadadora chegou a seu primeiro clube em 1928, quando entrou na Associação Atlética São Paulo. Dois anos depois, seguiu para o Clube de Regatas Tietê, onde logo se destacou nas principais competições. O resultado foi a surpreendente convocação para as Olimpíadas de 1932, em Los Angeles, quando tinha 17 anos - era a caçula da delegação.

A chegada aos Estados Unidos, contudo, não foi nada tranqüila. Os 84 atletas que deixaram o Brasil rumo à Vila Olímpica contavam com 55 mil sacas de café para custear a participação nos Jogos. Com o fracasso das vendas, a alternativa foi pedir ajuda aos outros tripulantes do barco. Apenas 24 dos esportistas que embarcaram puderam estar nas Olimpíadas, entre eles Maria Lenk.

Com a oportunidade, a nadadora se tornou a primeira mulher da América Latina nos Jogos. Lenk disputou as provas dos 100m livre, 100m costas e 200m peito. Chegou às semifinais deste último, que era sua especialidade, ficando com o oitavo lugar.

Na volta para casa, foi impedida de entrar em São Paulo, foco da Revolução Constitucionalista, e se fixou no Rio de Janeiro, onde morou até o fim da vida. E foi na cidade que seus feitos continentais ganharam ainda maior repercussão. No Sul-americano de 1935, sediado no clube que defendia, o Clube de Regatas Guanabara, a nadadora chegou ao primeiro lugar nos 400m livre, nos 100m costa e nos 200m peito.

As conquistas, somadas ao título brasileiro, a fizeram uma das esperanças de medalha nas Olimpíadas de 1936, em Berlim. E Maria Lenk já preparava mais um de seus pioneirismos. Aproveitando-se da falta de regras para o nado peito, a paulistana passou a movimentar os braços e as pernas da maneira que hoje é conhecida como borboleta. Na Alemanha, Lenk seria, ao lado do norte-americano John Higgins, a única a nadar desta maneira - a regulamentação do nado em Olimpíadas ocorreu apenas em 1956.

O ouro olímpico era visto como certo, até porque Maria Lenk já havia batido um recorde mundial que só não foi homologado pela Federação Internacional de Natação (Fina) porque a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) não reconheceu a marca concedida pela Federação Brasileira de Natação (FBN). A falta de profissionalismo do esporte no Brasil, porém, atrapalhou a ainda inédita conquista de Lenk.

A viagem para a Alemanha levava um mês, e a alternativa para manter o condicionamento físico foi treinar em um tanque improvisado no convés do navio. Na água, as atividades só aconteciam com a atleta segurada pelos companheiros de viagem ou por cabos. Por isso, chegou a Berlim com problemas musculares e foi eliminada nas semifinais dos 200m peito.

Curiosamente, a decepção nas piscinas alemãs precedeu o período de maiores conquistas em toda carreira. Em 1939, no Rio de Janeiro, Maria Lenk bateu os recordes mundiais dos 200m e 400m peito e se tornou a primeira e única sul-americana a bater uma marca. A expectativa pelo ouro em 1940, nas Olimpíadas de Sapporo, no Japão, era ainda maior. Contudo, o cancelamento dos Jogos devido à Segunda Guerra Mundial tirou da paulistana essa chance. Como as Olimpíadas de 1944 também não ocorreram, a disputa em Berlim foi a sua última participação olímpica.

A ausência nas piscinas, no entanto, não tirou Maria Lenk do esporte. Em 1936, antes dos Jogos Olímpicos, a nadadora ganhou diploma em Educação Física na Universidade do Brasil (hoje UFRJ) na primeira turma feminina formada no País. Após os Jogos, permaneceu na Alemanha para fazer um curso especial na Academia de Educação Física do Reich.

Em 1942, beneficiou-se de um acordo entre Brasil e EUA e foi a única mulher brasileira a ser mandada para as terras norte-americanas para competir ao lado de atletas locais. Aproveitou para integrar outro curso no Springfield College, de Massachussets, maior instituição de educação física daquele país.

Voltou à sua terra natal com larga experiência acadêmica, e iniciou carreira na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ocupando os postos de professora catedrática e diretora. Depois de 32 anos, deixou a Universidade com a condecoração de professora emérita, até então inédita entre professoras de Educação Física.

Ainda no campo administrativo, foi a primeira mulher a integrar o Conselho Nacional de Desportos (CND), cargo em que se destacou por defender melhores condições ao esporte feminino. Em 1985, também foi indicada pelo então Ministro da Educação, Marco Maciel, para ser interventora da Confederação Brasileira de Natação (CBN), com a responsabilidade de resolver a crise pela qual a instituição passava na época.

Também chamou atenção fora das piscinas ao participar no final da década de 70 de um movimento de nadadores acima de 25 anos que resultou na criação da categoria master - a primeira competição ocorreu em 1982, na Nova Zelândia, com Maria Lenk sendo a única representante brasileira. Em 1984, foi a vez de introduzir a nova categoria no Brasil, sendo uma das fundadoras da Associação Brasileira Master de Natação (ABMN). Alternava as disputas com a publicação de livros e teses voltadas ao esporte.

O retorno às competições nos anos 80 foi marcado por mais de 35 títulos e sete recordes mundiais. Repetia que "nadaria até o corpo agüentar". E foi o que aconteceu. Em 16 de abril de 2007, Maria Lenk faleceu após um mal súbito durante treino no Flamengo. A brilhante vida, porém, não passou em branco, já que a Prefeitura do Rio de Janeiro publicou decreto para dar o seu nome ao Complexo Aquático que sediou as competições dos Jogos Pan-americanos de 2007. (gazetaesportiva)

 
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