Ano novo na velha Beijing - Fernanda
  2010-03-05 15:03:52  cri

Gosto de pensar que tenho uma sorte danada como moradora de Beijing. Tenho dois anos na China e dois Festivais da Primavera no currículo, ambos passados com famílias chinesas. O primeiro em Changsha, na província de Hunan, e o deste ano em Beijing. Dentro da casa da família Peng, em um hutong da capital, perto da CRI, pude viver o costume de um grupo familiar tradicional e ver o que não me foi permitido – ou pela pouca idade, ou pelo desenvolvimento econômico mundial –: a velha Beijing.

Fortemente centrado na experiência à mesa, eu diria que, para o meu gosto, Hunan saiu perdendo. Gosto mais do gosto amargo da velha Beijing do que do doce do sul. Ainda mais que entrei, como jurada, em uma competição para designar qual dos cinco irmãos Peng seria o melhor cozinheiro. Ponto para o norte – e para o Peng de número quatro.

A função começou no dia 13, com um jantar incrível preparado pelas mulheres da família e os homens competidores. Pelo que pude contar, mais de 15 pratos enchiam a mesa e os olhos. Gula é, por definição, um pecado; mas é dos melhores também. Com cinco famílias reunidas em um espaço pequeno, duas mesas foram postas, com os pratos sendo distribuídos igualmente. E para me manter como uma boa convidada, levei duas tortas salgadas para contribuir (nota mental: sempre que convidada para um jantar em família, ligar antes para reservar um lugar na mesa para o prato que eu cozinhar).

O jantar foi regado a brindes nada moderados de baijiu, a famigerada cachaça mandarim, cerveja, suco e chá. Entre paladares apurados, tragadas de cigarro e brindes, meus anfitriões me enchiam de perguntas. E o teste foi excelente: sendo uma família originalmente de Beijing, todos falavam mesmo o dialeto – algo com o qual venho me debatendo há dois anos para aprender durante as breves corridas de táxi em que falo com os motoristas. No Ano Novo de Changsha, a experiência foi ainda mais excitante. Eles falavam o dialeto da região, que em nada se parece com o mandarim que aprendo há quatro anos com persistência. Fui acompanhada da estudante chinesa que morava comigo na época, a Xu Jing, e ela dizia para os parentes: falem em mandarim com a Fernanda. Foi uma vitória pensar que a língua se tornaria o meu ponto em comum com aquelas pessoas.

Na velha Beijing, o dia 14 chegou ao som de fogos de artifício lindos. Família reunida para ver o espetáculo, que estourava bem a frente dos nossos olhos, como uma Ipanema particular. Para mim, a experiência foi duplamente incrível porque era também meu aniversário, e em forma de "egotismo branco" (aquele que não é prejudicial), desejei que os primeiros minutos do ano novo ficassem para sempre estalando em meus ouvidos como uma lembrança eterna.

Com exceção da comida e da troca de espumante por baijiu, pouco me distanciou das festas familiares de final de ano no sul do Brasil. Família reunida, tiração de onda e barriga cheia. Um ou outro tio que tenha tomado um copo a mais se retira para o quarto. A conversa na cozinha prossegue. Algum marido tira a esposa para dançar. Crianças entram e saem correndo, celebrando que, naquela noite, ninguém tem horário para dormir. A velha Beijing não dormiu. A festa seguiu até o amanhecer, quando era hora de fazer mais uma chaleira de chá e preparar o jiaozi para o café da manhã.

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